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  Eleições 2014: A primeira mentira

Data: 30/07/2014

 

 

ELEIÇÕES 2014

A primeira mentira

Por Carlos Brickmann em 08/07/2014 na edição 806 do Observatório da Imprensa

 

Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência da República, disse que seus gastos de campanha poderão alcançar R$ 150 milhões. Dilma Rousseff e Aécio Neves pretendem realizar despesas maiores: perto de R$ 300 milhões cada um. Pouco depois de seu anúncio, os três principais candidatos ao governo paulista forneceram suas previsões: Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à reeleição, R$ 90 milhões; Paulo Skaf (PMDB), R$ 95 milhões; Alexandre Padilha (PT), R$ 92 milhões.

São números estranhoS: precisando fazer muito mais viagens, muito mais longas, para atingir quase o quíntuplo de eleitores em todo o território brasileiro, Campos admite gastos de R$ 150 milhões. Para atingir 22% do eleitorado num território muito menor, com viagens bem mais baratas, cada um dos pretendentes ao governo paulista pretende gastar mais de 60% do orçamento do candidato presidencial importante que planeja a campanha mais barata (e cerca de 30% das despesas dos candidatos à Presidência que se propõem a gastos maiores). E se a incongruência fosse só essa, vá lá. Mas há outro aspecto: cada voto para deputado, em São Paulo, exige um investimento de no mínimo R$ 30 (há exceções, para candidatos já conhecidos, ou que dominam um nicho do eleitorado – gente como Tiririca, por exemplo, ou um dirigente sindical com boa base). Um deputado federal com 200 mil votos terá gasto algo como R$ 6 milhões. Como é que pretendem os candidatos chegar ao governo com gastos como estes que anunciaram?

Traduzindo, esses números são calculados pela Shoot Foundation, auditados pela empresa especializada Consigliori Embromativi, e valem tanto quanto as promessas da campanha cujos custos pretendem traduzir. Como os partidos estão entre os principais fiscais uns dos outros, tudo bem: um não acusa o outro para não ser acusado. E, não tenha dúvida, toda a contabilidade é muito bem feita. Não se pode, portanto, esquecer que nunca se mente tanto quanto antes de uma campanha, durante os comícios e depois de eleito.

Quem pode romper a blindagem da contabilidade criativa somos nós, jornalistas. O trabalho é difícil, extenuante, caro; exige um tipo de assessoria que nem sempre as empresas estão em condições de fornecer. Exige minucioso trabalho investigativo a respeito dos gastos e do que se obtém em troca; exige duro trabalho braçal para pesquisar o valor de itens oficialmente cedidos sem ônus (mas que devem ser contabilizados), como sedes de campanha, automóveis, seguros, jatinhos emprestados etc.

E pode ser perigoso: o terreno do caixa 2 é minado e os administradores dos recursos não contabilizados, sempre gente poderosa, raramente estão dispostos a ser desmascarados e a enfrentar processos. Mas, como no caso dos médicos que são acordados de madrugada para atender emergências, essa é a profissão que escolhemos. Podemos exercê-la ou não.

Um detalhe extra: o jornalista Ucho Haddad, em seu corajoso blog, calcula em R$ 100 milhões o custo de uma campanha para a prefeitura de São Paulo. Se para chegar à prefeitura da capital o gasto é de R$ 100 milhões, como é que para chegar ao governo do estado os candidatos preveem gastos menores?

Há algumas décadas, o repórter Ricardo Kotscho mergulhou nos bastidores do governo e mostrou como funcionavam as mordomias, privilégios concedidos aos amigos dos governantes e a suas equipes de, digamos, trabalho. Hoje, é hora de repetir esse esforço, tentando decifrar os custos de campanhas eleitorais. Algum jornalista conseguirá convencer seus empregadores de que uma reportagem desse tipo, difícil e custosa, fará com que tanto seu autor como o veículo que a divulgar entrem na História do bom jornalismo?




 

 

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