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  A crise energética no Brasil em 2021 - Cleveland M. Jones

Data: 08/09/2021

 

A crise energética no Brasil em 2021

Propostas que favoreçam a garantia de um fornecimento de energia maior e mais confiável, ambientalmente mais saudável, e com menores custos, serão cada vez mais bem-vindas, já que o setor público tem demonstrado que mal consegue lidar com a administração da crise

 

Uma combinação de falta de planejamento, erros políticos, erros técnicos e condições climáticas extremamente desfavoráveis precipitaram a crise energética no Brasil em 2021, que ainda está em andamento, e provavelmente será tão ruim ou até pior do que a crise de 2001, que deixou graves danos econômicos e políticos em sua esteira.

As mudanças climáticas, independentemente se oriundas de causas antropogênicas ou não, alteraram os padrões de chuva sobre extensas áreas dos biomas Amazônia e Cerrado, a partir de 2020. Uma estiagem muito intensa contribuiu para causar grande perda de florestas e outros biomas no Brasil, intensificando incêndios causados principalmente pela ação humana intencional, mas também por causas naturais.

Essas condições, combinadas com o enfraquecimento das políticas e proteções ambientais no Brasil, e com o retrocesso legislativo em relação aos mecanismos de conservação estabelecidos, resultaram em mudanças sem precedentes no regime e na eficiência de captação das chuvas, e na redução da capacidade de geração das hidrelétricas. Como a geração das hidrelétricas representou mais de 65% da produção de energia elétrica (EE) em 2020, uma redução significativa na geração hidrelétrica tem causado e continuará causando fortes impactos no Brasil.

Desde a crise energética de 2001, o brasil experimentou um grande crescimento na geração de EE eólica, por biomassa (principalmente cana-de-açúcar), térmica a gás, e até mesmo solar (central & distribuída). Entretanto, com apenas 27,9% da oferta de EE, essas fontes ainda não são suficientes para amortecer os efeitos da menor produção das hidrelétricas.

As iniciativas governamentais voltadas para a atenuação dos efeitos da atual crise energética são “muito pouco, muito tarde”, especialmente aquelas que envolvem o planejamento centralizado do governo, como a conservação da capacidade hidrelétrica, o remanejamento dos fluxos hídricos para diferentes setores, ou os leilões de novas fontes.

Como o lado da oferta é difícil de alterar no curto prazo, entre as medidas mais promissoras para mitigar a crise energética no curto prazo estão as mudanças do lado da demanda. Isso inclui o estímulo à redução da demanda por grandes consumidores (o chamado demand shift), mudanças na alocação de fontes energéticas, racionamento, e até mesmo mudanças extremas nos preços da EE para todos os consumidores.

No curto e médio prazo, os esforços para aumentar significativamente a oferta de EE envolvem principalmente planos para novas térmicas a gás natural. No longo prazo, novas instalações hidrelétricas e outras fontes renováveis cada vez mais variadas ainda oferecem pouco alívio para a situação atual.

Embora o Brasil quase certamente aumentará significativamente sua produção de petróleo, passando a ser um grande produtor e exportador de petróleo de boa qualidade, especialmente a partir de seus campos do pré-sal, a oferta de gás natural nacional vai continuar defasada.

Isto se deve ao fato que apesar da grande produção de gás natural, boa parte provém dos campos do pré-sal, onde a reinjeção é a opção mais comum, ao invés da monetização, uma vez que investimentos vultosos em gasodutos e instalações são necessários para levar essa produção até os centros consumidores. Enquanto isso, o aumento da importação de GNL tentará satisfazer a demanda por gás natural das termelétricas, algumas recentemente inauguradas e outras que devem entrar em funcionamento em breve.

Um pouco mais adiante, após a recente liberalização do marco legal do mercado de gás natural no Brasil, as majors de O&G, como Equinor, Shell e Exxon, estão se tornando operadoras de alguns dos enormes campos do pré-sal, e visando planos de monetização da produção de gás, trazendo esse gás onshore para distribuição. Infelizmente, esse aumento da oferta só estará disponível no médio prazo, dado o longo prazo de conclusão dos projetos envolvidos.

Nenhuma dessas medidas evitará algumas das consequências mais drásticas previstas para a atual crise energética brasileira, incluindo distúrbios políticos, especialmente devido aos efeitos inflacionários do aumento dos preços da EE e seu efeito sobre a economia como um todo. O sentimento do consumidor e a insatisfação política também podem resultar em medidas políticas que não ocorreriam normalmente, incluindo medidas populistas e contraproducentes, que podem prejudicar severamente as perspectivas de desenvolvimento no longo prazo.

Nesse cenário, muitas oportunidades ainda surgirão para aqueles que podem oferecer algum alívio para o aumento dos custos e os possíveis transtornos na oferta de EE. As soluções de energia distribuída estão acelerando, embora principalmente voltadas para a demanda em pequena escala, como famílias e consumidores comerciais que instalam painéis solares.

As soluções de armazenamento ainda estão focadas principalmente no equilíbrio entre oferta e demanda de curto prazo. Uma maior oferta de EE, seja proveniente de fontes não renováveis convencionais ou de fontes renováveis, requer prazos de implementação substancialmente mais longos. Soluções complementares e integradas, envolvendo a implementação conjunta de fontes renováveis e de outras tecnologias, apresentam algumas das melhores oportunidades, pois comumente também oferecem benefícios ambientais. Um exemplo são os enormes projetos de hidrogênio verde no Nordeste do Brasil.

No entanto, uma vez que a atual crise energética é cada vez mais entendida como resultado de uma mudança mais permanente nas condições subjacentes, não há dúvida de que muitas soluções novas e diferentes também se tornarão interessantes. Estas incluem projetos em todas as escalas e prazos de implementação, assim como projetos que reduzem perdas ou complementam as fontes existentes. Dado o alto nível de perdas e a ineficiência do sistema elétrico nacional, e suas baixas métricas de desempenho, há amplo espaço para crescimento e melhoria na qualidade, confiabilidade, pegada ambiental e custo, no setor energético brasileiro.

O Brasil apresenta um ambiente atrativo para inovações que possam ajudar a mitigar ou reduzir os efeitos da atual crise energética. Propostas que favoreçam a garantia de um fornecimento de energia maior e mais confiável, ambientalmente mais saudável, e com menores custos, serão cada vez mais bem-vindas. Cabe ao setor privado propor e implementar essas soluções, uma vez que o setor público tem demonstrado que mal consegue lidar com a administração do setor energético, muito menos oferecer soluções para melhorar o desempenho de seus atores.

Cleveland M. Jones é geólogo




 

 

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