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  Leitmotiv

Data: 05/02/2014

Leitmotiv

 

Criado em Terça, 04 de Fevereiro 2014

Peço a tolerância dos leitores da Tribuna que se aventuraram a ler este início de  texto, para insistir em falar do  único assunto político que verdadeiramente me interessa: a gestão participativa. Além da tolerância, vou precisar de boa dose de mansuetude, pois ousarei abordar, insano que sou, tema de Direito constitucional. A sucessão de meus escritos deve permitir a aferição do avanço do processo de senilidade que vivo, espero que este corolário compense o abuso.
Volto a citar o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Vamos nos concentrar na primeira parte da frase, pois a segunda ainda não passa de miragem. A exegese de um cidadão inculto afirma que “todo” não é “uma parte”, e que os “representantes” são mandatários do povo representado e não de pessoas e  organizações privadas que, salvo no caso da eleição do presidente da República e seu vice,  sequer moram no território em causa, Recorro ao princípio da razoabilidade; viajo na maionese?
Ora, a Constituição-cidadã foi elaborada por uma Assembleia de Congressistas que representavam 13 partidos. A partir da linda declaração acima, inseriram no texto numerosas limitações ao poder popular, geralmente beneficiando os partidos políticos – a sua origem comum – sem que as suas consciências lhes sugerissem o recurso ao plebiscito ou referendo para legitimar as amputações. Ao condicionarem a elegibilidade à filiação partidária, vedaram a figura do candidato avulso e criaram o monopólio dos partidos políticos no que se refere à seleção dos candidatos.
Ficamos assim: todo o poder emana do povo, menos o de selecionar os candidatos cujos nomes serão inseminados nas urnas. Em outras palavras: 140 milhões de eleitores votam em quem cerca de trezentos dirigentes partidários indicam, usando de critérios que deliberam e não são da conta de mais ninguém – até por ser matéria interna corporis, sujeita à tantas mudanças quantas esses senhores e senhoras entenderem de sua conveniência.
A legislação eleitoral e partidária, e as Resoluções do TSE que se seguiram à promulgação da Constituição de 1.988, aprofundaram a contradição.
Hoje, trinta e duas pessoas jurídicas de direito privado abocanharam o direito de indicar candidatos, desde presidente até vereador. Elas se tornaram “o povo”, embora só uma minúscula parcela do povo seja à elas filiado. Também decidem como se coligam, observadas que cláusulas do acordo. No campo econômico, isto é reserva de mercado, monopólio, oligopólio, cartel, tudo crime. No campo da política, é a práxis política, o manda quem pode e obedece quem tem juízo, mesmo se corresponder em desrespeitar o poder constitucional do povo de indicar os seus representantes.
Reparem que as normas da democracia, da qual deveriam ser defensores os partidos (embora sumidos da vida comunitária), não são sequer levadas em conta pelos mesmos. Mandatos de mais de quatro anos, reeleições seguidas, presidentes vitalícios, dinastias que se formam debaixo de nossos olhos, são moeda corrente.
Mas devo estar errado, pois os “operadores do Direito” não protestam contra o espezinhamento da soberania popular. Não serei eu, velho tolo, a apontar os absurdos sobre os quais montamos nosso sistema eleitoral e partidário. 
Ou – usando do direito de senilidade – vá que seja?

 Philippe Guédon




 

 

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