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  A era dos extremos - Denilson Cardoso de Araújo

Data: 21/09/2019

 

A era dos extremos

Denilson Cardoso de Araújo - Escritor

 

O título é de Hobsbawn, historiador que dissecou o século XX, analisando conflitos ideológicos e políticos que redundaram em longas décadas de guerra permanente. Incapaz dessas profundidades, só aproveito o título como alusão a esses nossos difíceis tempos. Poderia começar com metáfora climática. Afinal, atropelando a primavera, se antecipa o verão, sem qualquer cerimônia, nos invadindo com seu maçarico. Parece um signo de tempos em que, na ideologia e nos convívios não há lugar para meios-termos, outonos e primaveras. Eu, que amo o outono, tenho dificuldades com esse duelo de exclusividades. Ou inverno congelante ou verão infernal.

O Apocalipse traz Carta em que, exortando a comunidade de Laodiceia, que parecia servir a dois senhores, a Palavra diz duramente: “Porque não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca”. São temas espirituais, território no qual o Cristianismo exorta à busca plena de justiça e santidade. Não uma espiritualidade “mais ou menos”. Mas, à margem daí, na vida secular e nos convívios, nem tudo pode ser fervura ou gelo. Há que se buscar tolerância, prática com filosofia própria, que muito deve ao Cristianismo. Ou o “Caminho do Meio”, tese budista que, afora considerações doutrinárias, diz que a sabedoria não está nos extremos, mas numa alternativa mais do que entre os polos, acima deles.

Em política é comum, frente a polarizações, a busca de uma “terceira via”. Foi esta, a proposta que se frustrou nas últimas eleições. Chamei de “segundo turno de pesadelo”, o que lá por setembro passado surgiu no horizonte, o confronto PT x Bolsonaro. Deu no que estamos vivendo. Era de extremos. A análise rasteira de uma massa disforme de opinião pública em clima de torcida de Maracanã, te julga, condena e executa sumariamente e à revelia, pelo pecado de pertencer a um lado de que o outro divirja, ou, pior ainda, sacrilégio dos sacrilégios!, não pertencer a lado algum. “Isentão” é o adjetivo com que buscam ridicularizar os que, como eu, tentam manter certo distanciamento dos extremos em guerra aberta.

A intolerância selvagem tem a ver com a falta de freios com que as pessoas vão às redes sociais. Circula um meme, comparando essa incivilidade com a cena real da fúria de cães que rosnam uns contra os outros, separados pelo portão gradeado. O portão se abre. Os cães se afastam, rabos entre as pernas. Nas redes há corajosos estimulados pela grade virtual, que na vida real se intimidariam de grunhir coisas tão desagradáveis num olho no olho.

Redes sociais fazem mal. Moderadores do Facebook - gente que precisa ler e assistir conteúdos impróprios, para recomendar eventual supressão ou inscrição de alerta - têm sofrido com ansiedade, depressão e outros problemas de saúde. Assistem coisas bizarras, canibalismo, pedofilia cruel, crimes de ódio, incitação ao terrorismo, maldades contra deficientes, maus-tratos a animais. Oito horas por dia, cinco dias na semana. Saem de lá transtornados. Alguns passam a replicar, eles mesmos, comportamentos de ódio. Ninguém sai imune.

Assim é. Redes sociais, se você não exercita comedimento, autocontrole e equilíbrio, podem te mergulhar na maluquice geral. E, no quadro político atual, nos extremos da loucura “ideológica” que produz zumbis, tanto à esquerda quanto à direita. Gente pronta a sacar uma metralhadora de impropérios para assassinar tua paciência e integridade. Não entre nessa. Eu não entro. E continuo preferindo o outono.

 




 

 

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