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  De repente, voto facultativo

Data: 13/05/2014

 

De repente, voto facultativo

Por Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa em 13/05/2014 na edição 798

Comentário para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa, 13/5/2014 

 

Apenas como registro, anote-se esta data, 13 de maio, como o dia em que a imprensa dá a partida ao que pode ser seu novo mantra para resolver o problema da política. O problema da política, no caso, é o fato de que a maioria dos eleitores não dá a mínima para o que diz a imprensa. Habituados a fazer e desfazer governos, os grandes jornais e os demais meios que lhes são acoplados pelo processo de concentração de poderes não se conformam com a perda de influência sobre a sociedade.

O mantra que vem aí é o do voto facultativo.

Folha de S. Paulo deu partida à campanha, com uma pesquisa Datafolha publicada no domingo (11/5) na qual aparece pela primeira vez uma maioria (61%) contrária à obrigatoriedade do voto. Na edição de terça-feira (13/5), um artigo na página de opinião procura reforçar a posição do jornal, exposta em editorial. Os dois textos se referem a “questões lógicas” e ao conceito segundo o qual o voto é um direito, não um dever.

Sem entrar diretamente no debate a favor ou contra o voto obrigatório, pode-se encontrar elementos interessantes na súbita preocupação da Folha com a suposta liberdade de escolher entre votar e não votar, que provavelmente será seguida pelos outros veículos da mídia predominante.

A rigor, o cidadão já tem essa alternativa, bastando comparecer à urna e anular o voto, ou deixá-lo em branco. Aliás, o editorial do jornal paulista usa a favor do voto facultativo o crescente número de votos invalidados nas eleições recentes, quando parte disso se deve possivelmente a dificuldades no uso do equipamento eletrônico.

Soa hipócrita o argumento de que o eleitor deveria se deslocar para os locais da votação movido por sua consciência cívica e não tangido pela lei, dada a preferência manifestada pela maioria, de escolher o campo partidário ao qual a imprensa hegemônica claramente se opõe.

Sem a obrigatoriedade, certamente os cidadãos que possuem mais “consciência cívica” teriam um peso maior na soma dos votos. Da mesma forma, a soma dos votos espontâneos seria maior nos distritos onde há mais disponibilidade de transporte ou onde mais cidadãos podem aproveitar o feriado eleitoral para votar e passear com seu cachorro.

Quem ganha, quem perde

O debate central sobre a obrigatoriedade do voto, em si, fica obscurecido pelo retrato, revelado nas pesquisas pré-eleitorais, que mostra o predomínio de eleitores conservadores, afinados com o discurso da imprensa tradicional, nos bairros onde há mais recursos urbanos e, evidentemente, mais facilidade para o deslocamento até o posto de votação. Assim, a lógica da desigualdade social estende a perversão da diferença de oportunidades até mesmo na disposição que cada um terá para exercer a “consciência cívica”.

Segundo a pesquisa Datafolha sobre a questão, 57% dos eleitores não iriam às urnas neste ano se o voto fosse facultativo. Ainda assim, o quadro apontado pelas consultas de intenção de voto poderia não se alterar, porque os eleitores de Dilma Rousseff se mostram mais ativos e dispostos a comparecer, mesmo sem a obrigatoriedade de votar: 43% dos que apoiam sua reeleição disseram que não votariam se não fossem obrigados pela lei. Quem mais perderia seria o candidato do PSB, Eduardo Campos: entre aqueles que pretendem votar nele, 62% ficariam em casa se o voto fosse facultativo e, no caso dos apoiadores do candidato Aécio Neves (PSDB), nada menos do que 58% se ausentariam.

A sucessão de escândalos cuidadosamente selecionados pelos jornais tem produzido um desgaste profundo na credibilidade dos partidos políticos e a intensidade desse noticiário, desacompanhado de reflexões sobre o valor da democracia, leva a descrença a grande número de brasileiros.

Embora o quadro das intenções pareça não afetar o resultado da votação, o eleitorado ficaria muito mais suscetível a essa ação da mídia se não houvesse no horizonte a obrigatoriedade legal de escolher quem vai ocupar o Palácio do Planalto e os governos estaduais no ano que vem.

Não existe a possibilidade legal de alterar a legislação já para as próximas eleições, e uma abordagem parcial à questão da reforma política, restrita ao tema do voto facultativo, não contribui para estimular a “consciência cívica” de repente tão apreciada pela Folha de S. Paulo.




 

 

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