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  Sem controle e planejamento, ações inócuas

Data: 01/11/2011

Falta de informação prejudica programas federais nos municípios e continuidade de políticas, dizem especialistas.

Lena Lavinas

Coordenadora-executiva do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas da UFF, que atua na área de segurança pública, e ex-presidente do Instituto de segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro.

"Nas prefeituras, não há registros"

O Globo: Qual o principal obstáculo para o poder público ter mais informação?

Lena Lavinas: No nível federal, até há sistemas de registros, apesar de nem sempre on-line e atualizados. Mas, quando você chega nas prefeituras, não há registros, nem pessoal qualificado. Além disso, a mobilidade dos funcionários é grande, por que muitos não são concursados; os políticos locais preferem nomear suas equipes. Então você as vezes até capacita o funcionário, mas aí ele sai e você tem de capacitar tudo de novo. O problema é que muitos recursos para a saúde e educação, por exemplo, são descentralizados do governo federal para os municípios. Então, é descentralizar ações e verbas com base em números que são inexatos ou errados. Sem falar que os sistemas federais de registros não conseguem ser utilizados pelos municípios.

O Globo: De que maneira isso poderia mudar?

Lena: Além de funcionários capacitados, você precisa fazer os governos perceberem a importância disso. Não há essa cultura de ver a utilidade de registros de qualidade.

O Globo: Das avaliações de programas públicos que a senhora já fez, que exemplos já viu da importância do sistema de dados?

Lena: O cadastro dos beneficiários do Bolsa Família, por exemplo, ainda não é on-line. Em Nova Iguaçu, onde fui secretária de Ciência e Tecnologia até Outubro de 2010, no Hospital da Posse os atendimentos eram escritos em um quadro-negro todo dia. Escolas do município também não tinham as listas de alunos, elas eram feitas por cada professora, muitas eram anotações em cadernos. Na hora de as diretoras das escolas preencherem o Censo Escolar (do Ministério da Educação), O que muitas vezes acontecia? A diretora preenchia o Censo com base nas certidões de nascimento dos alunos que os pais deixavam na hora de matriculá-los, mas sem saber se aquele aluno ainda continuava ou não na escola. O que fizemos quando estive na secretária? Criamos um banco de dados único, que poderia ser acessado por várias secretarias, como Saúde, Educação e Assistência Social. Os dados desse sistema também podiam ser exportados diretamente para a base do Censo do MEC. Hoje, porém, o uso desse sistema na cidade, está suspenso.

O Globo: O que poderia ser aproveitado de experiência de outros países?

Lena: Na Noruega, por exemplo, o governo trabalha com um número único de identificação, com vários dados da pessoa em um mesmo sistema; até a carteira de motorista está lá. No Brasil, o número mais usado é o CPF, por ser nacional e poder ser checado on-line. Mas você tem também sistemas estaduais de identidade, um número de PIS/PASEP, e quem recebe o Bolsa Família, ainda ganha outro número.

Ana Paula Miranda

Professora do instituto de economia da UFRJ Lena Lavinas, ex-pesquisadora sênior do Ipea e ex-analista da OIT, já coordenou avaliações de programas como o Bolsa Família.

"Informação é a base da democracia"

O Globo: Como a senhora vê a falta de dados na área de segurança?

Ana Paula Miranda: Vejo que não é um problema só da Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública). O Judiciário não tem dados. A Senasp até avançou, embora ainda tenha muitos problemas. As polícias federais não têm dados, as guardas municípais não têm. Não temos informações sobre o sistema penitenciário, não podemos descobrir, por exemplo, quantos foram condenados por homicídio. O Ministério da Justiça até faz investimentos, mas é preciso mais. A Qualidade da nossa informação ainda é muito ruim. A Justiça, por exemplo, sabe quantos processos foram julgados, mas não sabe a dinâmica do crime. Nossos dados não são confiáveis. A situação é caótica, e a tendência é piorar.

O Globo: O que é preciso para que haja uma mudança?

Ana Paula: Uma Política nacional de tratamento de informação. No Rio, por exemplo, temos os dados todos informatizados.

Mas eles não estão organizados. Precisamos de um sistema que possa virar fonte de informação, como o IBGE, por exemplo, que tem dados confiáveis. Agora, essa politica precisa ser articulada com as universidades, não pode ser imposta.

O Globo: Quanto tempo levaria para termos essa política nacional?

Ana Paula: É um processo de médio prazo. O Rio levou quase 20 anos para organizar os dados da Polícia Civil; os dados da Polícia Militar não estão incluídos e foram 20 anos de trabalho. É um processo demorado, mas que precisa começar. Se não começar hoje a se organizar, vai demorar ainda mais.

O Globo: A falta de informação faz com que as políticas sejam feitas às cegas?

Ana Paula: Não é um trabalho feito às cegas por que a política de segurança não é feita com base nos dados. A política é feita a partir da visibilidade de certos fenômenos na mídia. Os olhares se voltam para esse determinado fato que está tendo repercussão. Desse jeito, não vamos a lugar nenhum.

O Globo: Por que não temos ainda essa política nacional de tratamento da informação?

Ana Paula: Falta vontade política para isso ser feito. Não falta dinheiro, o problema não é financeiro. O maior problema é a transparência.

A informação é a base da democracia e significa controle. É um direito da sociedade ter acesso à informação, mas isso nos falta. Há quem diga que existe o Portal da Transparência, mas ele é muito focado na questão financeira, o que é importante, mas não basta.

Fonte: Jornal O Globo, dia 31 de Agosto de 2011, página 10.




 

 

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