Reinventando o jornal na Internet
Data: 06/08/2009
Reinventando o jornal na Internet
Rosental Calmon Alves *
As notícias sobre jornalismo na Internet não podiam ser piores. Companhias pontocom estão quebrando. Ações de empresas remanescentes viram pó e são retiradas das bolsas. Demissão em massa no mundo pontocom entrou na rotina diária. O internauta americano passa menos tempo por dia na rede. Anunciantes assustados cancelam campanhas planejadas para a Internet. Jornais continuam acumulando prejuízos com a Web e alguns críticos já duvidam abertamente que seja possível ganhar dinheiro com jornalismo na Internet.
Com um quadro tão pessimista e tão dramático, chegou a hora de os jornais desistirem da Internet, certo? Errado. Na realidade, a crise fortalece a posição estratégica dos jornais no novo ambiente de mídia que se está formando através da atual revolução tecnológica. Engana-se quem pensa que a atual crise esteja destruindo ou mesmo diminuindo a importância da Internet como meio de comunicação de massa.
A Internet está passando por uma correção de rumos, cuja principal característica é a eliminação dos abusos cometidos nos últimos anos, devido a uma exagerada e precipitada avaliação de suas potencialidades por parte do mercado financeiro e das bolsas americanas. No auge da onda especulativa com as empresas pontocom, muitos de nós nos recordamos do caso das tulipas, transformadas na Europa em mercadoria de altíssimo valor no século XVII. Numa histeria coletiva, muita gente chegou a vender todas suas propriedades para investir nas flores coloridas que os holandeses tinham trazido da Turquia e que se valorizavam com incrível rapidez. De repente, as tulipas não valiam nada mais e houve uma quebradeira geral. Mas não se enganem, a Internet não é a tulipa nesta comparação. As tulipas são as ações de empresas de Internet que nunca tiveram um verdadeiro plano de negócios, que nunca passaram pelos mais primários testes de viabilidade e que foram formadas visando apenas a atrair capital de alto risco (venture capital) e ganhar valorização extraordinária de suas ações na bolsa através das chamadas IPOs (as ofertas públicas iniciais de ações na bolsa Nasdaq, em New York).
Chegamos a um ponto em que escutei executivos de jornais americanos afirmarem, assustados, que viam seu negócio sob ameaça iminente devido ao assédio das pontocom. Havia motivos para assustar na onda especulativa que estava em curso. O valor de capitalização de mercado de uma só companhia de Internet, a Yahoo, era maior do que o da soma de todos os jornais americanos com ações na bolsa. Ou seja, o valor de papel da Yahoo era maior do que o do New York Times, Washington Post, Chicago Tribune, Times Mirror, etc combinados. Algo estava errado. E a demonstração disso está se vendo agora, com as ações das pontocom caindo mais de 80% ou, literalmente, virando pó, chegando a zero.
A maior preocupação ao buscarmos reinventar o jornal na Internet deveria ser evitar que a crise atual force um movimento pendular na avaliação do novo meio. O pêndulo estava num extremo - o do exagero das avaliações financeiras e das expectativas de que a Internet revolucionaria o mundo de uma hora para outra. O perigo atualmente está em deixar o pêndulo ir para o outro extremo - aquela idéia antes mencionada de que já seria hora de desistir da Internet ou reduzir ao mínimo possível os investimentos, por achar que o novo meio não funciona, não tem potencial de faturamento e não ameaça os meios existentes. Na verdade, os jornais que forem por este caminho estarão cometendo o mesmo erro que o mercado financeiro cometeu, só que no sentido oposto.
A miopia dos jornais e de outros meios de comunicação tradicionais que desistirem da Internet devido aos problemas conjunturais poderá custar-lhes muito caro no futuro. A Internet não está desaparecendo. Ao contrário, está se consolidando e se tornando parte da vida diária de centenas de milhões de consumidores em todo o mundo. É verdade que não vemos mais os índices de crescimento da rede iguais aos de 1994, 1995 e 1996, mas não podemos esquecer-nos de que em apenas cinco anos a Internet conseguiu chegar a 50 milhões de lares dos Estados Unidos - um feito que o rádio levou 38 anos para conseguir e a televisão levou 13 anos. Nunca, a história das comunicações tinha registrado um meio novo se expandir com tanta rapidez. Nem o telefone se expandiu tão velozmente.
A história da adoção de novas tecnologias, no entanto, está cheia de exemplos de altos e baixos na introdução de inovações. A literatura a respeito registra até um chamado "efeito montanha russa", que, na realidade, se aplicaria muito bem às dificuldades conjunturais atuais da Internet. Mas não se esqueçam de que na montanha russa o trenzinho cai e depois sobe de novo...
O verdadeiro "boom" do uso da Internet ainda está por acontecer. Imaginem o momento em que a geração Internet chegar ao mercado de trabalho, dentro de mais alguns anos. São jovens que praticamente não conheceram o mundo sem Internet, sem computadores, sem bases de dados. Para eles, a busca de informações em base de dados é a coisa mais natural do mundo. Outro dia, vi uma caricatura interessante. Um pai mostrava ao filho adolescente um exemplar de jornal. O garoto, sentado defronte a um computador, parecia estar pegando num jornal pela primeira vez na vida e dizia algo mais ou menos assim:
"Muito interessante esta interface. . .um banco de dados de páginas estáticas, de fácil acesso, portabilidade".
Mesmo antes de a geração Internet chegar ao mercado de trabalho, a audiência de notícias na Web não é nada desprezível. Olhemos para este grande laboratório mundial que são os Estados Unidos da América, onde durante o século XX, a cada 20 anos, se lançou um meio de comunicação novo, que ali foi desenvolvido, testado, levado a alcançar massa critica e depois adotado no resto do mundo. Nos EUA, hoje em dia, mais pessoas se informam através de sites de Internet do que através dos três principais noticiários da televisão aberta. Uma pesquisa do Pew Research Center mostra um declínio na audiência da TV e uma ascensão da audiência da Internet. A série histórica do estudo revela também algo que, presumivelmente, está acontecendo em outras partes do mundo, como aqui na América Latina. A audiência de Internet, que começou sendo restrita a segmentos específicos da população (inicialmente os techies, pessoas mais ligadas ao uso de computadores pessoais), aos poucos vai se aproximando do perfil demográfico dos meios de comunicação tradicionais.
Isso quer dizer que mesmo a geração que precede a geração Internet está adquirindo o hábito de procurar notícias na Web. Vejamos este quadro com dados da Media Metrix, em números de usuários (visitantes) por mês nos sites jornalísticos mais populares dos Estados Unidos:
MSNBC.com |
9,8 milhões |
CNN.com |
7,7 milhoes |
NYTimes.com |
3,4 milhões |
USAToday.com |
2,7 milhões |
Washingtonpost.com |
2,6 milhões |
Slate.com |
2 milhões |
TheStreet.com |
1,6 milhões |
Salon.com |
1,5 milhões |
Com toda essa audiência e com a curva ascendente, os sites jornalísticos da Internet não deveriam estar em crise. Muitos, no entanto, estão demitindo pessoal, cortando despesas, suspendendo investimentos, revendo seus planos de negócios e suas metas de faturamento com publicidade e outras fontes de receita. É o efeito do que eu costumo chamar de "a pororoca virtual". Para os que não são brasileiros, temos que explicar primeiro o que é a pororoca. Trata-se de um fenômeno da natureza, único do Amazonas, que ocorre quando as águas do rio mais caudaloso do mundo se encontram com as do Oceano Atlântico e se chocam violentamente, provocando ondas e um ronco tão forte que se escuta a quilômetros de distância. A economia virtual, que levou àquela loucura especulativa de avaliações exageradas e a planos de negócios que não tinham conexão com a realidade mas sim com formas de atrair venture capital, se encontrou finalmente com o oceano da economia real. Estamos ouvindo o roncar desta pororoca, que implica na adaptação das operações de Internet à realidade, aos princípios básicos de qualquer negócio: alcançar o equilíbrio entre despesas e receita o mais rapidamente possível e chegar a uma operação lucrativa.
Uma pesquisa encomendada pela revista Editor & Publisher este ano a um instituto independente (TIPP) revelou que 64,3% dos jornais pequenos e 52,7% dos médios e grandes têm prejuízos nas suas operações de Internet. Disseram obter lucro na Internet 23,2% dos jornais pequenos e 36,8% dos jornais médios e grandes. Claro que os lucros seriam questionáveis, considerando que essas operações em geral não remuneram em nada o jornal impresso, de onde vêm quase todos os recursos utilizados para a produção na Internet. Grandes empresas de jornais dos Estados Unidos, como o New York Times ou a Knight Ridder, revelaram que perderam somente no ano passado mais de 50 milhões de dólares, cada uma, em suas operações de Internet. Nas últimas semanas, vimos demissões em praticamente todas essas empresas, mas principalmente naquelas que gastaram mais, que responderam às ameaças do mundo pontocom, tentando adaptar-se a ele e jogar de acordo com suas regras.
As demissões e os cortes orçamentários fazem parte das correções para atravessar a atual pororoca. As cadeias de jornais americanos continuam perdendo uns 140 mil dólares por dia na Internet e ainda acham que isso é um bom investimento. E essa decisão não é tomada por lunáticos, por investidores de capital de alto risco ou jovens alucinados com as perspectivas do mundo pontocom. A decisão de perder (ou investir) esse dinheiro é tomada por saudáveis e experientes executivos que dirigem empresas altamente lucrativas. Na verdade, jornal tem sido nos últimos anos um dos negócios mais lucrativos da economia dos Estados Unidos, com margens em geral acima de 20%. O que leva essas diretorias a concordar em continuar perdendo dinheiro na Internet é também a elementar noção de que em qualquer negócio editorial novo (um jornal ou uma revista, por exemplo) sempre se trabalhou no vermelho por um tempo, até construir-se a audiência e até a marca se consolidar. O USAToday, por exemplo, levou mais de uma década dando prejuízo até sair do vermelho pela primeira vez. Aqui no Brasil, a revista Veja, que hoje é líder, passou vários anos no prejuízo antes de começar a dar os resultados fantásticos de hoje em dia.
Não é Internet tão somente que está por detrás desta decisão, de continuar perdendo ou investindo milhões e milhões de dólares enquanto o novo meio de comunicação busca um modelo de negócio eficiente. O verdadeiro motivo ultrapassa as dimensões e perspectivas da Web. A Internet é um meio provisório, interino. É apenas a parte mais visível de algo muito maior e, verdadeiramente, revolucionário, que está rompendo velhos modelos e estruturas de negócios por todas partes. Por trás da Internet, está a Revolução Digital, com a criação da chamada Sociedade da Informação. Não há praticamente nenhum negócio no mundo que, de alguma maneira, não tenha que rever suas bases, diante da utilização universal dos computadores. Para nós, dos meios tradicionais de comunicação, os efeitos são avassaladores. Há muito tempo se falava, na academia, do conceito conhecido pela sigla CMC - comunicação mediada por computadores - e que surgiu dos primeiros estudos sobre comunidades virtuais, conectadas via computador anos antes de aparecer a Web. A popularização da Web em meados dos anos 90 levou ao público em geral o acesso a comunicação mediada por computadores, que era restrita a pequenas comunidades formadas principalmente por acadêmicos e techies. Estamos apenas no começo de uma era de acesso eletrônico fácil, prático e barato a informações, através de novos médios que mal podemos imaginar hoje em dia.
Os jornais foram o primeiro setor industrial a adotar em massa a Internet. Em apenas quatro ou cinco anos, já era quase impossível encontrar um jornal que não tivesse uma presença, ao menos modesta, na Web. Inventar o jornal na Web foi tarefa essencialmente fácil. Primeiro, já havia divisões ou departamentos de novos meios na maioria dos grandes jornais, que mesmo antes da Web vinham experimentando outras tecnologias como alternativas para a distribuição de notícias. Já era popular entre executivos desses jornais o conceito de que o negócio de um jornal não é botar tinta em papel, mas sim distribuir informação. Ao inventar o jornal na Internet, os jornais acharam de início que era possível simplesmente transferir seu modelo de negócio e seu conteúdo para o novo meio. Ignoravam, assim, as características e as limitações da comunicação mediada por computadores. Nenhuma surpresa, portanto, que essa simples transferência de produto de um formato a outro não tenha dado certo. Nenhuma surpresa, tampouco, para quem conhece a história dos meios de comunicação.
Roger Fidier, um dos pioneiros dos novos meios e evangelista da futura migração do jornal em papel para o formato eletrônico, fez uma análise da história da adoção de novos meios de comunicação. Ele observou que cada vez que um meio novo aparece, há um processo por ele batizado de "midiamorfose". Basicamente, o que acontece é um terremoto no ambiente de mídia, a partir de previsões de que os meios antigos vão acabar. No final, os meios existentes passam por uma metamorfose, se transformam, se adaptam à nova realidade, encontram outro papel a cumprir e sobrevivem. Assim, o rádio sofreu enormes modificações, mas sobreviveu à televisão, da mesma forma que os jornais se modificaram e sobreviveram ao rádio. Outra característica da midiamorfose é que o meio novo se apropria de traços dos meios existentes em suas primeiras etapas, antes de encontrar sua própria identidade, sua própria linguagem. Assim, no começo o rádio nada mais era que o jornal falado, a TV nada mais era do que o rádio com a imagem do locutor. E assim, o jornal inventado na Internet nos últimos anos era, em geral, o jornal impresso transferido ao computador. O uso de metáforas conhecidas facilita a compreensão e a adaptação ao novo meio.
Estes foram claramente anos em que ao inventar o jornal na Internet, cumprimos as características da midiamorfose. Na hora de reinventar o jornal na Internet, nossa maior preocupação precisa ser dar o passo adiante no sentido de encontrar a linguagem própria do novo meio, utilizando suas características e seu potencial. Nesta fase de reinventar o jornal na Internet, devemos sempre partir da pergunta central: o que podemos fazer na Web para melhor servir o leitor, que não é possível fazer no jornal impresso? Para começar, é preciso entender a Internet como um meio de comunicação convergente, que tem a capacidade de absorver características de outros meios, ao permitir a utilização de textos, bases de dados, fotos, áudio, vídeo, etc. Mas também é preciso entender as limitações da Internet, que ainda utiliza equipamentos e sistemas de distribuição precários. Estamos apenas na infância da comunicação mediada por computadores. É como se estivéssemos na fase do rádio de galena, aquele rudimentar aparelho baseado no cristal de galena, que só podia ser escutado por uma pessoa de cada vez. E como se estivéssemos no início do cinema, com sua câmera grande e fixa, sua imagem muda e embaçada em preto-e-branco.
Em poucos anos, vamos rir das limitações dos computadores de hoje em dia, ainda baseados na metáfora da antiga máquina de escrever. Mas é com essas máquinas que temos que reinventar o jornal na Internet, enquanto esperamos que a era pós-PC tome forma, através de equipamentos portáteis e sem-fio mais apropriados para a distribuição eletrônica de notícias. Os palmtops, os celulares com WAP, os primeiros e-books e os novos Internet devices que já estão no mercado são apenas rudimentares insinuações do que vem pela frente. Essas novas tecnologias terão um impacto profundo na evolução deste novo tipo de jornalismo que estamos criando para ser distribuído em múltiplas plataformas. O objetivo de todos nós ao tentarmos reinventar o jornal na Internet é entregar notícias como, quando e onde o usuário a quiser ou a necessitar.
Para reinventar o jornal na Internet, precisamos perder de vez o medo da canibalização. Depois destes primeiros anos, ninguém pode suspeitar ou temer que a Internet com suas limitações atuais vai matar os meios de comunicação existentes. É até possível ou provável que mais adiante, algum dia, a evolução tecnológica nos leve a outros sistemas que criem o cenário que costumo chamar de midiacídio, a morte dos meios tradicionais, que se tornariam obsoletos e perderiam sua razão de existir. Isso não está, no entanto, no horizonte visível, pelo menos a curto prazo. Com o que podemos ver, a Internet é e continuará sendo, ainda por algum tempo, um meio de comunicação a mais, que cumpre uma função importante, porém perfeitamente complementar às funções dos meios tradicionais. Um jornal ou um meio tradicional qualquer é incompleto hoje em dia se não tem, paralelamente à operação tradicional um dinâmico site de Web a complementá-lo e a estender sua marca e seu alcance ao ciberespaço. Uma presença importante na Web pode aumentar significativamente o valor de um jornal. Além de estar presente na Internet, qualquer meio de comunicação tradicional tem que adaptar seu conteúdo à convivência com a Web.
Um dos maiores desafios neste período de reinvenção do jornal na Web é sua integração ao produto tradicional, de forma complementar e cooperativa. Um dos maiores e mais comuns erros cometidos nestes primeiros anos de jornalismo online foi o isolamento da Web em relação ao produto tradicional, como se fossem duas empresas, duas operações distantes. Os jornais que têm mais sucesso e ganham dinheiro na Internet são aqueles que sabem integrar os produtos, fazer promoções cruzadas. Tem que ser uma via de mão-dupla. Idéias tão simples e óbvias como vender assinatura da edição impressa ou receber anúncios classificados por computador, através da edição online, ainda são ignoradas pela maior parte dos jornais via Internet que conheço. O New York Times reportou que chegou a vender três mil assinaturas do impresso por mês, através de sua edição online. Os jornais na Internet mais eficientes produzem matérias ou colunas que são publicadas pelo impresso também.
Ao reinventar o jornal na Internet, temos que vê-lo como uma extensão da marca do meio tradicional e uma possibilidade de alcançar outros públicos. Mais de 70% do meio milhão de leitores que pagam uma taxa mensal para acessar o Wall Street Journal Online não são leitores do Wall Street Journal impresso. O New York Times tem uma circulação de pouco mais de um milhão de exemplares, mas tem um cadastro de 15 milhões de pessoas que se registraram para acessar suas páginas na Web e recebe a visita de quase 3 milhões e meio de pessoas por mês. Em alguns países com forte imigração para os Estados Unidos uns noventa por cento dos visitantes dos sites de jornais na Internet vêm do estrangeiro. Muitos jornais já constataram que, como era de se esperar, atingem muito mais jovens na Internet do que através do papel.
As análises de tráfego de leitura na Internet são instantâneas e dão aos editores um acompanhamento permanente sobre a preferência ou os interesses dos leitores. Ainda que isso possa levantar questões éticas relevantes sobre invasão da privacidade, a verdade é que esses dados devem ajudar os jornais a encontrar maneiras de servir melhor a sua comunidade de usuários. Para isso, é preciso conhecer o usuário, estabelecer um diálogo com ele, manter um serviço ativo de atendimento ao leitor. Por incrível que pareça, muitos jornais publicam o endereço de e-mail dos seus jornalistas, mas eles não respondem regularmente os leitores. E sites de Web de jornais tampouco checam com regularidade as mensagens que chegam dos usuários.
Ao reinventar o jornal na Web, uma mudança que podemos adotar para conhecer melhor nossos usuários é a criação de um registro de entrada, seguindo um modelo usado pelo New York Times e rejeitado pela vasta maioria dos jornais. A oposição ao uso de registro se baseia na constatação de que se trata de levantar uma barreira de entrada, rompendo com a tradição de trânsito livre e grátis na Internet. Além disso, citam-se estudos de casos em que a audiência caiu até 40% em sites que passaram a adotar o registro. Observo uma tendência, porém, no sentido de se adotar o registro, mesmo enfrentando queda de audiência. A idéia é manter parte do conteúdo aberto a todo o público, mas restringir o acesso a pelo menos certos serviços considerados premium. Tudo bem que continuemos (até quando não sei) a dar notícias grátis, mas já que os leitores não pagam em dinheiro, pelo menos que paguem através da cessão de poucas, porém valiosas, informações básicas sobre seu perfil econômico-social. Muitas vezes, apenas o código postal da residência já é suficiente, pois o seu endereço já diz muito sobre seu perfil de consumidor. Também vale a pena lembrar que o consumidor não precisa utilizar a senha toda vez que visita o site a partir do mesmo computador, pois esse procedimento se automatiza.
Recentemente, ouvi do presidente da subsidiária de Internet de uma importante rede de empresas de comunicação dos Estados Unidos o teor de sua discussão com os jornalistas que se opunham à introdução do registro no seu maior site da Web, pertencente a um jornal. Os jornalistas argumentavam com a queda de audiência, mas o executivo fazia as contas e concluía que sua empresa ainda sairia no lucro, mesmo se a metade dos usuários atuais se negasse a preencher um pequeno questionário e a usar uma senha para entrar no site. Por que? Simples matemática. O mercado publicitário aceita pagar três vezes mais pelo CPM (custo por mil impressões) de anúncios dirigidos a alvos específicos, targets como se diz no jargão publicitário. Com o targeting, o valor do CPM daquele site saltaria de 25 dólares para 75 dólares naquele jornal. Por isso, o executivo estava convencido de que mesmo com a metade do público poderia obter um faturamento três vezes maior. Mas no fundo, ele também estava convencido de que não perderia tantos leitores devido ao questionário de, no máximo, sete perguntas. O sistema de registro incluiria também o direito de o usuário a qualquer momento obter a retirada de seu nome do cadastro do jornal. Esse é um detalhe importante, já que essa opção de saída do cadastro é muitas vezes ignorada.
Um dos problemas do jornal na Internet é que ele é baseado numa tecnologia pull e não numa tecnologia push. Ou seja, o usuário tem que atravessar várias barreiras para ir buscá-lo, em vez de o produto chegar a ele. O jornal impresso já tinha resolvido isso há muito tempo, principalmente nos Estados Unidos, onde predomina a entrega domiciliar como principal forma de circulação. Na maioria dos jornais americanos, mais de 80% da tiragem é entregue na porta dos leitores todas as manhãs, ou seja, a barreira que representava ter que sair de casa e ir à banca ou à máquina comprar o jornal foi eliminada através da entrega domiciliar. Para se desenvolver na Internet, o jornalismo vai acabar encontrando uma maneira de seguir pelo mesmo caminho. Muitas pesquisas e experiências estão sendo desenvolvidas, por exemplo, para que o jornal possa ser enviado por computador e impresso na casa do leitor, diariamente. Estuda-se até mesmo uma técnica em que um papel especial seria reutilizado por essa impressora doméstica. O New York Times começou faz apenas alguns dias a oferecer a opção de uma edição para ser impressa em casa, usando a tecnologia de uma empresa de Dallas, Texas. Mas neste caso, o Times cobra pela assinatura.
Enquanto essa nova geração de jornais via Internet não chega, uma opção obrigatória para a reinvenção do jornal na Web é a distribuição de notícias por e-mail. O método já está se tornando bastante popular e também é utilizado com êxito pelo New York Times. E-mail é de longe a melhor, mais usada e mais eficiente ferramenta da Internet. É o killer application, como dizem os especialistas, a começar por Bill Gates. O New York Times Online envia e-mails diariamente a 1 milhão e meio de pessoas que se cadastraram para receber as seções que mais lhe interessam. De madrugada, hora de New York, o sistema automaticamente começa a enviar milhões de mensagens de e-mail, cada uma com a mera reprodução da página de abertura, "a capa", de cada seção da edição online, de acordo com a preferência do leitor: Esportes, Internacional, Economia, Política, etc. As páginas são enviadas em HTML, ou seja, aparecem no e-mail do usuário com o mesmo look and feel da Web e as mesmas funcionalidades. Cada e-mail leva um anúncio provavelmente com target definido, ou seja aquele mais caro, dirigido a um público devidamente identificado, situado numa seção que interessa a esse leitor específico e que aparece dentro de sua própria caixa postal eletrônica. Além disso, as manchetes e sumários enviados por e-mail geram tráfego, pois são links que levam para as matérias no sítio de Web do jornal. Desta forma, o e-mail só leva um anúncio a cada leitor como, através dos links, gera tráfego para o seu site. Tudo isso, automaticamente. Além desses e-mails de seções, há uma variedade de outros tipos de mensagens que os jornais podem enviar aos leitores. Vão desde uma simpática mensagem do editor sobre as novidades do sítio, como novas seções, reportagens especiais, etc... até os news alert, que podem avisar de uma variação de preço de uma mercadoria até da última notícia do seu time de futebol preferido. Ou mesmo quando acaba de acontecer algum evento tão extraordinário que seguramente vai estar na primeira página de todos os jornais amanhã. A velha edição extraordinária do rádio, só que agora vai para a caixa postal eletrônica do leitor. É um serviço útil, diferente de tudo o que existia antes e, naturalmente, cada um desses e-mails vai com anúncio e gera tráfego no sítio. Até mesmo aquele promocional, que traz as novidades ou os bastidores do próprio jornal.
Não vamos conseguir reinventar o jornal na Web, se não estamos de acordo em que temos que colocar na Internet hoje o jornal de amanhã, na medida em que os fatos vão acontecendo. Sei que o que acabo de dizer causa arrepios em muita gente nos jornais, temerosa de que isso possa canibalizar a edição impressa e ajudar os concorrentes. Depois desses cinco ou seis anos de jornal na Internet, porém, não conheço um só caso documentado mostrando que o fato de as notícias terem sido antecipadas na Internet levou a uma queda de circulação do impresso. Nem mesmo a reprodução na Internet de todas as notícias do impresso causou queda de circulação. Os meios são diferentes um do outro, são complementares. Já vimos este filme, esta velha ameaça de canibalização. Mas se desta vez for para valer e a antecipação de notícias pela Internet estiver levando a uma canibalização do jornal, mais uma razão para o jornal ser o primeiro a fazer isso, antes que outros o façam. Autocanibalização não tem nada demais. Isso me lembra a história do Ted Turner, aquele que muita gente chamou de maluco por lançar em 1980 uma televisão com notícias 24 horas por dia, a CNN. Depois da guerra do Golfo, quando a CNN finalmente parecia consolidar-se, ele lançou o CNN Headíme News, um formato diferente, com noticiários a cada meia-hora, para competir com a CNN original. Chamado de maluco outra vez, Turner revelou que se a CNN estava dando certo outros a imitariam e a concorrência apareceria inevitavelmente, portanto se alguém tinha que concorrer com ele, que fosse ele mesmo. Hoje, a CNN se multiplicou em vários outros canais, seu modelo tem sido muito imitado e a concorrência prolifera. Exatamente como Ted Turner previa.
Não se pode brigar com a realidade. Velocidade é uma das principais vantagens do jornalismo na Internet. Veja como o seu próprio comportamento pessoal já mudou nos casos de breaking news, notícias de última hora. Lembra-se que faz pouco tempo, você corria para o rádio e depois para a TV para saber do desenvolvimento de um tema que acabava de aparecer no noticiário. E agora? Aposto que você corre para a Internet. Se não o faz ainda, espere um pouco que se verá fazendo. Ao reinventar o jornal na Internet, temos que dar prioridade aos fatos que estão acontecendo ou acabam de acontecer. Isso mesmo, ao que vai estar no jornal amanhã. Temos desafios, problemas importantes para resolver ao levar a noção de cobertura em tempo-real para a Internet. Por exemplo, vamos substituindo as matérias curtas que vão sendo produzidas e publicadas na rede, na medida que um acontecimento se desenvolve? Ou vamos apenas acrescentando pedaços? Como resolver os erros? Simplesmente tiramos da Internet a notícia equivocada ou a deixamos com uma correção, com a qual assumimos o erro cometido e damos a versão correta? Damos notícias curtinhas, à medida que os detalhes vão chegando ou esperamos que se forme uma matéria mais completa? Cada site está desenvolvendo seu estilo próprio e algumas tendências estão se consolidando. Uma dica importante é aprender com as agências de notícias, que muitas décadas atrás tiveram problemas similares e desenvolveram suas soluções.
O problema de romper com os ciclos de publicação aos quais os usuários e os jornalistas estavam acostumados não é algo simples. Ali residem uma das maiores virtudes e também um dos maiores vícios do jornalismo online. A virtude já foi explicada: a Internet é um meio veloz, que permite a publicação de uma notícia em segundos como o rádio e a televisão, mas, ao contrário destes, a deixa a disposição para ser consumida a qualquer momento em que o usuário desejar. O vício é que estamos todos vendo os sites dos outros e muitos não estão agüentando a tentação de entrar na onda e publicar matérias não confirmadas, que não passaram pelos critérios do beabá do bom jornalismo. Tudo isso em nome da velocidade, de não ficar muitos segundos ou minutos atrás da concorrência.
Outro problema nesta área é o excesso de zelo das redações tradicionais em proteger o furo, a matéria exclusiva. Nem de longe passa pela minha cabeça que um jornal deve abrir mão da exclusividade de certas matérias em sua edição impressa, em nome de colocá-la num site de Internet e dá-la de presente para a concorrência. A redação do impresso deve sempre ter a palavra final a esse respeito. Meu ponto aqui é que na maioria das vezes, ou é excesso de zelo e a matéria não é tão exclusiva assim ou trata-se de algo tão exclusivo que, mesmo se quisesse, a concorrência não poderia utilizar. Ao contrário, a partir de determinada hora a Internet (assim como outros meios de comunicação do mesmo grupo) pode servir de veículo de promoção daquela exclusiva, ao divulgar apenas o essencial da reportagem, sem maiores detalhes. Mesmo quando a divulgação estiver vetada pela redação, isso não deve significar esconder a matéria exclusiva da equipe de Internet. A edição online pode ter que esperar que o jornal circule para divulgar pela manhã a reportagem exclusiva, mas se souber antes, pode se preparar, armar uma cobertura mais interativa, mais apropriada para o meio. E ganhar até uma chamada na reportagem impressa. Os jornalistas online estarão procurando responder àquela pergunta-chave: o que podemos fazer na Internet com essa matéria que não podemos fazer no jornal impresso? Haverá muitas respostas, a essa pergunta. Começa pela limitação do espaço que existe no papel e praticamente inexiste na Internet, que é como um saco sem fundo. Valerá a pena analisar a possibilidade de estruturar a matéria em camadas, dando ao leitor a possibilidade de se aprofundar mais, mesmo depois de ler a íntegra no impresso. Na Internet podem estar facsimiles de documentos, além de muito mais fotos, gravações completas de entrevistas, vídeos, gráficos interativos, entrevista com os repórteres, os bastidores de seu investigação, etc.
A reinvenção do jornal na Internet passa por este aspecto multimídia. Ainda que hoje em dia as condições sejam adversas para a transmissão de vídeo na Internet, é importante que os jornais e os jornalistas já estejam se acostumando a essa realidade. A evolução tecnológica é nesta direção e ainda vamos ter que aprender muito para resolver os problemas derivados dessa convergência que se avizinha. Nos Estados Unidos, jornais que não têm no mesmo grupo diferentes mídias estão procurando alianças estratégicas com outros grupos que antes eram vistos como concorrentes. O Washington Post, por exemplo, fez uma aliança com a rede de TV NBC e a MSNBC (NBC associada à Microsofi para Internet e TV a cabo). Entre os objetivos do Post, a obtenção de vídeo para seu sítio de Internet. Quem poderia imaginar que hoje em dia, jornalistas da NBC estivessem participando das reuniões diárias de notícias do Washington Post, escutando até mesmo sobre exclusivas que eles não poderão utilizar. Até onde eu saiba, ainda não houve um caso de quebra de confiança. Isso é na verdade uma boa lição para jornais onde a redação do impresso ainda vê o pessoal da Internet como concorrentes potenciais.
O New York Times fez um acordo com a rede de TV ABC nas últimas eleições e está investindo em projetos de televisão, para se posicionar melhor no futuro digital e convergente da mídia. Recentemente, a CNN radicalizou em matéria de convergência e determinou que todos os jornalistas precisam começar a produzir diferentes versões para diferentes mídias, sem especializar-se em uma delas especificamente. Jornais estão entregando câmeras de vídeo digitais aos seus fotógrafos e gravadores digitais de áudio a seus repórteres, buscando mais material para a edição de Internet. A verdade, porém, e que essa tal convergência ainda está muito confusa e indefinida. O importante é se posicionar, experimentar, ver o que funciona em cada caso.
O inescapável é que alguém precisa pagar a conta disso tudo e ainda obter algum lucro. A maioria dos executivos de jornais americanos citados em publicações especializadas recentemente diz que suas operações de Internet estarão lucrativas lá pelo final do próximo ano. Muitos dizem também que suas operações de Internet já podiam estar apresentando lucro neste momento, mas que continuam no vermelho porque estão reinvestindo. Ou seja, por decisão corporativa de que é preciso continuar gastando para ganhar mercado, expandir audiência, posicionar-se para o futuro. De todas formas, promessas e argumentos similares foram ouvidos nos últimos três ou quatro anos, sem que o modelo de negócio utilizado pelo jornalismo na Internet vingasse. No massacre recente, alguns impressionantes exemplos de bom jornalismo pontocom morreram asfixiados por falta de recursos financeiros para agüentar a crise. Neste ponto, os dual players, ou seja, as empresas da economia tradicional que têm presença na Internet levam uma enorme vantagem em relação aos pure players (as empresas exclusivamente de Internet). Os dual players contam com menores custos de operação, meios de promoção cruzada e valiosíssima fonte interna de financiamento. No caso dos jornais, eles contam com o mais importante, o conteúdo. Não só o de hoje, como o de ontem, o histórico. E com o pessoal que sabe produzir conteúdo.
Na atual re-arrumação da Internet, empresas tradicionais que tinham criado subsidiárias independentes para competir com as dotcom em circunstancias similares, já se arrependeram e voltaram à nave-mãe. A operação na Internet voltou a ser um departamento ou divisão do negócio tradicional. Isso aconteceu com jornais e também com outros tipos de empresas. Outra novidade muito bem-vinda foi a correção de rumo de alguns jornais, que tinham desvinculado totalmente a edição de Internet da redação tradicional, geralmente entregando-a à área de marketing e que recentemente voltaram atrás. A parte jornalística da edição online passou nesses casos à alçada da redação tradicional.
A reinvenção do jornal na Internet passa por uma revisão total do modelo comercial, que nos últimos anos, para a maioria dos sites, se resumiu à publicação de banners, cuja eficiência sempre foi contestada. O Bureau de Publicidade na Internet acaba de publicar novos formatos de anúncios para as páginas de Web. A novidade que está fazendo maior sucesso, mas ainda foi pouco testada, são os anúncios dinâmicos em flash, bem maiores que os banners, lançados recentemente nas páginas de notícias da CNet.com. Também os banners verticais do New York Times estão chamando a atenção. Outros estão causando polêmica, como o papel de parede da cerveja Budwaiser lançado esta semana nas páginas de cotação da bolsa da CBS Market Watcher. Também muito polêmica é a utilização de anúncio em texto corrido, que se confunde com notícias e, por isso mesmo, são criticados por violar princípios básicos que os jornais impressos já tinham resolvido há décadas. Há muita margem para criatividade em matéria de publicidade na Internet e esta deve ser uma das prioridades para a re-invenção do jornal online.
O que mais preocupa neste momento é um grande mal-entendido e até uma certa má vontade com a publicidade na Internet. O mal-entendido é exigir dos anúncios neste novo meio uma resposta e um resultado imediatos que jamais se exigiu de nenhum outro meio. Estão comparando o banner a marketing de mala direta (direct mail), medindo click-throughs e negócios fechados a partir de cada anúncio. Estão ignorando a capacidade de os anúncios da Web servirem também para a construção e a consolidação de marca, ou para respostas retardadas de compra, como qualquer anúncio de outros meios. A má vontade vem de certas agências que não têm interesse no novo meio porque ganham muito pouco com ele. Tanto nos custos de produção quanto nas comissões, pois os custos de anúncios na Internet caíram muito nos últimos tempos.
Um minucioso estudo que acaba de ser publicado pelo banco de investimento Morgan Stanley Dean Witter concluiu que a preços de hoje (depois de recentes quedas), os banners são um bom negócio em termos de custo-beneficio para os anunciantes, mas não superam as formas tradicionais de marketing direto. Quando o banner é visto em outros termos, como instrumento de branding, ou reforço de marca, por exemplo, a Internet apresenta resultados melhores que outros meios. Num teste de brand recall, por exemplo, a Internet aparece com melhor performanc