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  Excessos do politicamente correto - Denilson Cardoso de Araújo

Data: 05/07/2019

 

Excessos do politicamente correto

Denilson Cardoso de Araújo - Escritor


Festinha infantil da minha filha. Um Vovô Smurf, animador contratado. Do nada, força a letra tradicional que as crianças cantavam para um “não atire o pau no gato”. Discursou às crianças, num politicamente correto fora de hora. Fez isso em outras canções. Chamei Vovô Smurf num canto. Amigo, certas coisas se deve fazer em certas horas e determinados ambientes. Em vez de reformar o mundo, você só está estragando a festa. Mas uma das características dos justiceiros sociais do excesso politicamente correto é a falta de medidas.

O Dalai Lama, bonachão que é, brincou numa entrevista quando perguntado como seria se em próxima encarnação viesse mulher. Queria vir “mulher atraente”. E riu do chiste. Feministas politicamente corretas o atacaram, esquecendo-se até que “mulher atraente” pode ter muitas conotações, nem sempre de beleza física. Mas o Dalai Lama acabou pedindo desculpas. Outra modinha da ditadura do politicamente correto. Forçar pedidos de desculpas.

Mariana Haffner, atleta do Pinheiros, em São Paulo, foi baleada por assaltantes que levaram seu carro. Na confusão mental do politicamente correto, entrevistada, ela desculpou-se com os criminosos pela desigualdade social que os levou ao crime! Fez lembrar Márcia Tiburi, que se disse a favor do assalto, pois o assaltante, dominado pelo capitalismo, apenas se vingava da injustiça. Inversão de valores orwelliana.

No filme Guerra Civil, o Capitão América lembra com um amigo a juventude em que procuravam “rabos de saia”. Na cena, o amigo sorri ao ver o Capitão beijar uma garota. Lideranças gays protestaram contra a Marvel! Criticaram a cena que decretava não ser homossexual o herói. Manter isso em suspeita, para eles, seria mais politicamente correto.

O politicamente correto invadiu o mundo da linguagem. A partir dos Estados Unidos, surgiu uma quase “novilíngua” orwelliana. “Negro” virou “afro-americano”. “Fag” (“bicha”), virou “gay” (alegre). Obesidade virou “sobrepeso”. Deficiência física, “necessidade especial”. Velhice, “melhor idade”. Exageros e eufemismos.

Não quero pauladas em gatos. Nem mulheres-objeto. Não nego a injustiça social que pode levar ao crime, nem acho certo sair por aí chamando os outros com nomes ofensivos. Acho até que livros de Monteiro Lobato, por exemplo, podem ter nota de pé que contextualize falas hoje tidas por discriminatórias. Mas que não se censure um gênio, como se chegou a cogitar. Que ninguém me proíba de dizer que tenho um muito querido irmão preto. Que a virilidade não seja um pecado. A injustiça social seja sim enfrentada, mas os criminosos, condenados.

Correto não é obrigar todo mundo a pensar igual. É respeitar quem diverge e até fala coisas que não diríamos. Aceitar que o Dalai Lama faça uma piada. Excesso de politicamente correto fere a liberdade de expressão, gera intolerância, e pode aguçar o que quer combater. Muita homofobia nasce de exageros no combate à homofobia. Muita misoginia cresce em contraponto a excessos do feminismo radical. Humoristas, por exemplo, têm reagido com inaceitável baixaria (Rafinha Bastos: “mulher feia estuprada devia dar graças a Deus”). É uma escalada. Vamos virando sociedade belicosa, raivosa, intolerante, em que amizades se desfazem porque um não respeita o jeito de o outro pensar, falar ou votar. Precisamos exercitar a tolerância e aprender a divergir civilizadamente. Ser afetiva e espiritualmente correto é o que importa.

 

http://denilsoncdearaujo.blogspot.com/




 

 

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