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  Panfletos eletrônicos - Ataualpa A. P. Filho

Data: 29/09/2019

 

Panfletos eletrônicos

Ataualpa A. P. Filho - Escritor

 

“O público tem pressa. A vida de hoje, vertiginosa e febril, não admite leituras demoradas, nem reflexões profundas. A onda humana galopa, numa espumarada bravia, sem descanso. Quem não se apressar com ela será arrebatado, esmagado, exterminado. O século não tem tempo a perder. A eletricidade já suprimiu as distâncias: daqui a pouco quando um europeu espirrar, ouvirá incontinenti o ‘Deus te ajude’ de um americano. E ainda a ciência humana há de achar o meio de simplificar e apressar a vida por forma tal que os homens já nascerão com dezoito anos, aptos e armados para todas as batalhas da existência.”

Esse parágrafo foi retirado de uma crônica de Olavo Bilac, publicada em 13/01/1901, no jornal Gazeta de Notícias, com o título “Fotojornalismo”. Lembrei-me dela quando acessei um podcast. Tive a sensação de que o jornalismo entrou num instantaneismo que já traz o kit completo: a notícia com análise e crítica. Alguns até oferecem um viés ideológico a gosto do freguês. O que tive acesso deixou-me a impressão de que estava diante de um pacotinho de miojo: era só colocar na água. Tudo bem destilado, nada mastigável. Precisamos ter cuidado: – não podemos deixar que pensem por nós.

Em se tratando de notícias, devemos ser ruminantes, temos que as digerir com cautela. A cada dia, certifico-me que a notícia se tornou produto rentável e ferramenta política.

Uma avalanche de informações é despejada sobre o povo. Por não haver tempo hábil para processá-las reflexivamente, muitos repetem as opiniões que ouvem.

Na citada crônica, Bilac escrevera: “Já ninguém mais lê artigos.” Isso que você está fazendo agora, caro leitor, é raro. Hoje, abrir um jornal, escolher um texto para ler em momento de descontração é raridade.

A velocidade do envelhecimento não consiste na proximidade do futuro, apenas não deixa as pessoas sentirem o sabor do agora. A delícia do presente, quando desfrutada, faz o tempo parar. E, nesse instante, é que se tem a dimensão da eternidade, mesmo na efemeridade dos segundos.

Retorno mais uma vez ao texto de Bilac: “E convenhamos que, no dia em que nós, cronistas e noticiaristas, houvermos desaparecido da cena — nem por isso se subverterá a ordem social.”

– Quem sente falta de uma crônica em uma manhã de domingo? Quem para para ouvir estrelas?...

Aqui faço uma confissão: a minha admiração pela obra de Bilac não foi à primeira leitura como aconteceu com João Cabral e Guimarães Rosa. O Bilac que me apresentaram, nas primeiras séries escolares, era da vertente parnasiana com enfoque nacionalista que não remetia a questionamento social. Falavam do amor à Pátria, mas esqueciam o amor à vida.

Não tenho visto citações bilaquianas nos discursos patrióticos de tendência neoliberal que circulam pelas mídias. Talvez, porque ele tivesse um pensamento preservacionista, além de defender a educação, a cultural e o amor à Língua Pátria. Foi por esse amor à “Última Flor do Lácio”, que procurei conhecer melhor o trabalho literário dele. Vi que pensava à frente. Basta dizer que ele antevia os telejornais, os efeitos da globalização, o imediatismo midiático, a propagação da comunicação por ícones. Disse ele, na mencionada crônica: “o jornal-animatógrafo terá a utilidade de evitar que nossas opiniões fiquem, como atualmente ficam, fixadas e conservadas eternamente para gáudio dos inimigos...”

E, para concluir, deixo aqui, pelo toque irônico, o último parágrafo da “Fotojornalismo”:

“Saudemos a nova era da imprensa! A revolução tira-nos o pão da boca, mas deixa-nos aliviada a consciência”.

 



 

 

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