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  Não mate amizades por política - Denilson Cardoso de Araújo

Data: 31/08/2019

 

Não mate amizades por política

Denilson Cardoso de Araújo


Tempos de tensão. Rachaduras nos relacionamentos. Intolerância com a divergência. Famílias trincadas, grupinhos nas festas. Fiéis se evitam depois da igreja. Em velórios, enlutados se dão as costas. Vizinhos não se falam. Insultos pelas redes sociais como mananciais de água podre e interminável, poluem lentamente, envenenam completamente a possibilidade dos convívios saudáveis. Para mim, isso é difícil. Meus melhores amigos são aqueles com os quais, sim, comi sal, acendi fogueiras, fiz alguma forma de luta ou arte, dividi risadas e compartilhei problemas. Mas sempre. Sempre, divergimos. Com uns mais, com outros menos, mas sempre, divergência havia. Testava a amizade e a fortalecia. Dava músculos ao afeto. E a amizade vencia. Mesmo permanecendo a discordância!

Flamengo que sou, em nome da amizade, até torci pelo Vasco numa final de Mundial, no Japão. Gritar o nome de Odivan, fala sério, é quase um apogeu dos sacrifícios que por um amigo se faz. E eu defendia Senna frente a meus amigos Piquet. Não sou da mesma geração, mas como cultivo gostos remotos, fui sempre Marlene, com muitos amigos Emilinha. Jerry Adriani, frente a uma roda de fãs do Wanderley. Paul, quando a maioria era Lennon. Chico, mas com amigos tão Caetano. Devoto de Drummond, aceito amigos que acham Bandeira o maior. Ouço Blues, MPB e clássicos, mas amigos batem cabeça com heavy metal, e uns vão de axé music. Criei comoção quando elogiei Chitãozinho e Chororó, “seu brega!” para o amigo que só admitia Paulinho da Viola. Prefiro Mozart, mas tenho amigos wagnerianos.

Dividi mesa de margheritas imaculadas, com amigos despejando sacrilégios de catchup sobre suas pizzas. Sou fã de doces e tortas, enquanto turmas de amigos vão de coxinha e empadas. Não bebo álcool, mas me sento com o amigo degustador de vinhos. Prefiro praia, mas aceito que morador de litoral prefira o ruço de nossas montanhas. Amo telão de cinema, mas compreendo o militante Netflix. Prefiro doar flores do campo, mas não detesto buquês de rosas. Sou cristão batista, mas já fui com amigos a muitas missas católicas.

E tenho amigos que, como eu, anularam voto na última eleição. E os que são Bolsonaro, os que são PT, os que são coisa alguma. Com eles divido mesa, sala de cinema, guarda-sol na praia, sala de concerto, classes de escola dominical. Entendo suas razões. Amigos meus que são bolsonaristas, não endossam ódios, estavam enojados com a corrupção. Outros, petistas que também abominam corrupção, não admitem falas e atos grosseiros de Bolsonaro. Cada um que se equilibre na sua sensibilidade. O que tenho certeza é que dentre meus amigos reais, não há racistas nem corruptos. Grande parte da tensão hoje em dia é esta. Deduzir que quem votou Bolsonaro seja automaticamente fascista, ou que petistas sejam irremediavelmente “comunistas corruptos”. A vida é mais complicada que isso. Carimbos na testa dos outros não costumam dar certo. Não julgo as pessoas por seus votos somente. Vejo atitudes e comportamentos.

James Fredericks disse que a vitalidade da amizade não está no desfrutar semelhanças, mas sim no respeitar diferenças. Bel Coutinho diz que na verdadeira amizade as diferenças não fazem a menor diferença. Então, apelo. Não destrua amizades pelo Bolsonaro ou pelo Lula. A não ser que seu amigo seja, ele próprio um corrupto ou um preconceituoso irremediável. Aí sim, talvez até ele jamais tenha sido amigo real. No mais, paz no coração.

 

denilsoncdearaujo.blogspot.com




 

 

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