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  A pobreza de ideias - Yoshiaki Nakano

Data: 08/11/2016

 

A pobreza de ideias - Yoshiaki Nakano

 
- Valor Econômico
 
• A tragédia é que, com a ascensão da esquerda, esperava-se que o modelo dito neoliberal fosse reformado e não foi
 
A interpretação dominante das eleições de outubro é de que o povo brasileiro deu dois recados nas urnas: de um lado, uma rejeição dramática às ideias e à forma de governar do PT; de outro, pelo número de abstenções, votos nulos e em branco, uma enorme insatisfação com a nossa ordem política, inclusive com o governo de plantão depois do impeachment da presidente Dilma. O problema que tem que ser discutido em profundidade é o que está por trás destas manifestações tão eloquentes do povo brasileiro nas urnas?
 
Para quem teve a paciência de acompanhar os debates e a propaganda dos partidos, deve ter ficado claro que as ideias apresentadas e o conteúdo das propostas partidárias não empolgou ninguém. É evidente, nenhum grupo político ou partido foi capaz de apresentar ideias iluminadoras que pudessem delinear os contornos do futuro do país e que trouxessem esperanças para a população.
 
A direita, dita neoliberal, governou o país do início dos anos 90 até o governo do PT, em 2003. Defendiam, com esgotamento do modelo de substituição de importações, um crescimento com dependência associada, ou seja, o Brasil só poderia crescer com entrada de capitais do exterior e vinda de empresas multinacionais.
 
Com a hegemonia da plutocracia financeira nos países centrais e no Brasil, a política se resume em atrair o capital financeiro, praticando taxas de juros mais elevadas no Brasil do que no exterior, na crença infundada no "mercado eficiente", que transformaria em investimentos produtivos e daí o crescimento econômico! Evidentemente, para garantir estabilidade, isto deve ser complementado por taxa de câmbio flutuante, para absorver os "booms" de entrada e paradas súbitas de capitais e outros choques vindos de fora; metas de superávit fiscal, para dar segurança aos especuladores.
 
O resultado desta política foi a semi-estagnação e crises periódicas, desde o início dos anos 90, com exceção do interregno de "boom" de commodities. Como é possível uma economia capitalista prosperar se o custo do capital é superior ao retorno do investimento produtivo e a taxa de câmbio é volátil e imprevisível?
 
Este modelo implantado pela direita conservadora, por definição, não poderia propor reformas estruturais, daí um neoliberalismo capenga que mantém intacto um Estado superburocrático. Isso impõe um pesado custo Brasil e emperra o ambiente de negócios. Privatizou-se, mas as estruturas de controle burocráticas não foram eliminadas. Ao contrário, burocratizou-se até as agências reguladoras, emperrando a execução de qualquer projeto, público ou privado.
 
De outro lado, a esquerda brasileira, que assume com Lula, continuou presa ao pensamento predominante de antes do colapso do sistema soviético. Na sua essência, a esquerda tem crença religiosa de que defende uma causa nobre, os direitos sociais do pobres e minorias, e isso justificaria utilizar qualquer instrumento para alcançá-los. O mensalão; esquemas de corrupção com as empreiteiras; contabilidade criativa, inclusive a não observância de lei orçamentária são exemplos. Ela acredita que o controle do Estado com intervenções discricionárias poderá resolver todos os problemas políticos, econômicos e sociais.
 
Na prática, incitou e mobilizou grupos sociais minoritários e de interesses especiais, por se organizarem politicamente mais facilmente, a reivindicar seus "direitos". Daí a proliferação de vinculações de despesas às receitas, as indexações de despesas e outras formas de apropriar, por lei ou pela constituição, uma parcela do PIB.
 
Esta defesa dos "direitos", isto é a apropriação de uma parte do PIB, faz com que o controle dos gastos governamentais seja interpretado como uma perda de direitos adquiridos. Neste processo, não se fala em contrapartida de obrigações ou interesses da coletividade. Ironicamente, a esquerda brasileira é conservadora, é contra mudanças e defende o status quo.
 
Este tipo de pensamento leva à rejeição da lógica e da ciência econômica, enquanto conjunto de proposições com correspondência nos fatos, devidamente contextualizados, por sentenças genéricas ou axiomáticas que são aceitas por ato de fé. É inacreditável, mas muitos economistas de esquerda defendem que não existe um problema fiscal no Brasil. O problema não está nas despesas, mas do lado da receita porque a economia não cresce. Para retomar o crescimento bastaria expandir os gastos de governo, que estimulariam a demanda agregada e o crescimento!
 
Hoje estes "direitos" e despesas obrigatórias definidos na Constituição já fazem com que os gastos do governo superem as receitas em mais 10% do PIB. Se o "status quo" for projetado para o futuro, em alguns anos a dívida pública ultrapassaria 100% do PIB. É esta perspectiva que criou uma grave crise de confiança e queda nos investimentos desde 2014.
 
A tragédia brasileira é que, com a ascensão da esquerda, era de se esperar que o modelo dito neoliberal fosse reformado. Mas na pobreza absoluta de novas ideias e prisioneira de velhos dogmas, nada disso aconteceu. Agora com o novo governo, a pobreza intelectual continua. Para retomar o desenvolvimento é preciso muito mais.
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Yoshiaki Nakano, com mestrado e doutorado na Cornell University, é professor e diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP)



 

 

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