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  BREXIT: Virar o jovem precário contra o velho operário?

Data: 01/07/2016

 

Virar o jovem precário contra o velho operário?

  

 

O debate sobre os resultados do referendo inglês está atingir níveis de polarização que quase raiam o absurdo. Vou cingir-me à fervorosa discussão no seio da esquerda entre os auto intitulados europeístas-cosmopolitas e os eurocéticos-soberanistas. As razões desta confrontação resulta de uma leitura sobre as supostas características sociológicas dos votantes. É curioso que de repente os indicadores habituais do economês tenham dado lugar a um sociologês que usa e abusa da interpretação de variáveis como a de classe social, de jovem, de velho, de imigrante… Não vou entrar na guerra dos números e das infindáveis interpretações que se podem fazer. O que me preocupa neste debate é que cada uma das partes salienta apenas as percentagens que lhe interessa para legitimar o seu argumento. Mas ao fazê-lo deste modo a esquerda está basicamente a partir-se aos bocados, em vez de estar a trabalhar num discurso político congregador e mobilizador em relação às reais ameaças que afetam os povos.

Assim, para a esquerda dita soberanista a votação no Leave significa o voto dos desprotegidos e dos excluídos em relação às contínuas políticas neoliberais, que em bom rigor se iniciaram com Thatcher (à escala nacional) e que, posteriormente, tomaram conta da União Europeia. É isso que explica o voto dos mais velhos, das classes mais desfavorecidas e dos residentes nas cidades médias e nos meios rurais. Segundo esta perspetiva, o voto Remain representa, em contrapartida, o voto dos ganhadores, da elite económico-financeira e dos mais qualificados. Por seu turno, os cosmopolitas criticam o outro pólo por este descurar a questão da imigração, defendendo que grande parte da votação Leave foi condicionada por motivos xenófobos e racistas, por contraponto à votação dos jovens noRemain, que ultrapassou os 70%, e que expressa uma forte identidade europeísta e relativamente imune à questão imigratória. Assim, para os primeiros a explicação fundamental do Brexit é a desigualdade social e territorial provocada pela elite e pelas políticas europeias, enquanto para os segundos trata-se principalmente da questão imigratória acicatada pelos partidos nacionalistas e de extrema-direita.

Este despique que ilumina uma face dos números e ofusca a outra não só não leva a lado nenhum como transforma a sociedade inglesa numa multiplicação de ‘enclaves sociológicos’ que se anulam mutuamente. Por exemplo, é tão descabido olhar para o voto dos mais idosos apenas com a bitola da intolerância à imigração, como olhar para os jovens como fazendo parte da elite global e internacionalizada. Ou dito de forma mais contundente, os velhos não são todos racistas e a larga maioria dos jovens não pertence à elite. Pelo contrário, parte significativa dos jovens vive em situações laborais precárias e mal remuneradas. Para estes a Europa significava sobretudo uma abertura de possibilidades e de escolhas, tanto profissionais como pessoais, sem que isto significasse um corte traumático com o país. O rompimento da Inglaterra com a UE pode representar para muitos destes jovens a limitação das suas possibilidades face à inevitável condição de precário. Nesse sentido o voto jovem também poder ser interpretado como uma outra expressão da desigualdade.

Deste modo, não é admissível, do meu ponto de vista, produzir uma oposição artificial, uma espécie de luta de classes invertida, entre os motivos que levaram velho operário a votar Leave e as razões do jovem precário para votar Remain. Ao fazê-lo as várias forças e comentadores de esquerda estão a dar um monumental tiro no pé que só beneficiará a extrema-direita. A continuação desta confrontação contribuirá para afastar ainda mais os principais atores políticos, que têm protagonizado grande parte dos movimentos sociais ocorridos na história contemporânea europeia, da esfera da social-democracia e das alternativas mais progressistas.

 

Assim, neste excecional momento histórico a esquerda deve empreender na construção de um discurso e de uma prática política aglutinadora que se una em torno da crítica e da luta contra o atual estado da União Europeia, que se tornou desde há algum tempo numa entidade exterior e contrária ao bem comum e ao interesse geral dos povos. Na minha opinião este discurso deverá acima de tudo exigir a transformação da Europa num espaço de coesão que simultaneamente promova a circulação das pessoas e a autonomia dos povos. Ou seja, é urgente contruir uma aliança política e programática entre o velho operário e o jovem precário.




 

 

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