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  O STF na contramão, mais uma vez - Gastão Reis

Data: 24/08/2019

 

O STF na contramão, mais uma vez

Gastão Reis - Empresário e Economista


Em tempos idos, a votação da reforma eleitoral com a instituição da cláusula de barreira foi emblemática dos graves tropeços, entre outros, do STF, que vem desidratando sua própria imagem diante da população brasileira. Em julgamento discutível na época, ministros da mais alta corte deitaram falação sobre a cláusula de barreira como sendo inconstitucional. Foi uma decisão com placar apertado de 6 a 5; logo, como diria aquele personagem do Chico Anísio, “Há controvérsias!”, ou melhor, havia controvérsia. Alguns anos depois, à boca pequena, a maioria dos membros do STF se arrependeu. Essa infeliz resolução acabou abrindo a porteira para a criação de inúmeros partidos cujo objetivo era se beneficiar de recursos públicos. E fazer balcão de negócios com tempo de TV y otras cositas más. (Em espanhol, más significa mais; em português seu significado está mais para o plural de má, quando se leva em conta os efeitos deletérios para o País de decisões do STF muito negativas para a economia).

Pois bem, não obstante o histórico controverso do STF ao tomar decisões críticas desastradas, ele resolveu acrescentar mais uma à sua coleção. Com placar de 6 votos a favor, já não importando o voto do ministro ausente Celso de Mello, decidiu ser inconstitucional, mais uma vez, a redução proporcional de jornada e salários de servidores públicos.

Ainda me lembro bem de uma palestra do ministro Ives Gandra Martins Filho na FIRJAN, no Rio de Janeiro, quando presidente do TST – Tribunal Superior do Trabalho, em que tive a oportunidade de chamar sua atenção para a diferença existente entre leis econômicas e leis, digamos, jurídicas. Aquelas, a longo prazo, acabam se impondo, gostemos ou não, e pouco importa o aparato impositivo disponível para tentar fazer com que sejam implementadas. O exemplo clássico é o congelamento de preços, que não funcionou nem com Hamurabi, nem com certo imperador romano que impôs pena de morte para quem não acatasse sua determinação. Aqui e em nossos vizinhos também não funcionou. Eu me recordo de ele haver me dito que precisava contratar alguns economistas para assessorá-lo a fim de evitar situações desse tipo.

O Brasil convive hoje, tanto na esfera federal quanto na dos estados e municípios, com uma situação dramática de desequilíbrios seríssimos entre receitas e despesas. Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas e professora do Coppead, da UFRJ, nos informa que o gasto com pessoal é o grande vilão. Equilibrar as contas públicas sem mexer nesta rubrica deixa as três esferas de governo numa sinuca de bico. Essa última votação revela, mais uma vez, a dificuldade de integrantes do STF em perceber a força das leis econômicas e as sequelas dessa decisão da Corte para a economia do País.

Também parecem não perceber que estão confirmando o fato de que nem todos somos iguais perante a Lei Maior. O cidadão que trabalha no setor privado pode ser despedido para equilibrar as contas de uma empresa. E garantir que ela continue a funcionar pagando devidamente os salários dos trabalhadores remanescentes. Já no setor público, estaríamos diante de pessoas imexíveis, como diria o ex-ministro Magri.

Bom lembrar que não estava em pauta a possível demissão de servidores públicos. Tratava-se apenas da flexibilização das relações de trabalho no setor público, que iria permitir a redução proporcional de salários e jornada para equilibrar as contas públicas diante do desastre que se aproxima. Pelo jeito, sacrifícios para manter as contas em ordem ficam a cargo apenas do setor privado com seus 13 milhões de desempregados. Dois pesos e duas medidas.

Causa espécie, por surpresas estranhas, a distribuição dos votos a favor e contra, em especial o da ministra Carmen Lúcia, que aceitou tão-somente a redução da carga horária sem mexer no salário do servidor. Ela não se deu conta dos casos em que houvesse, digamos, redução da carga horária pela metade. O contribuinte acabaria pagando em dobro a hora trabalhada pelo servidor! Emenda pior que o soneto. Faria mais sentido ter votado contra.

Em países com a cabeça no lugar, decisão com esta seria algo sem pé nem cabeça por duas razões. A primeira é que não há unanimidade quanto à sua inconstitucionalidade. A segunda é a flagrante injustiça em relação a quem vai pagar a conta, o resto da sociedade. Suprema injustiça da justiça suprema...

gastaoreis@smart30. com.br ou gaastaoreis2@ gmail




 

 

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