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  O futuro do PT e o risco da radicalização

Data: 07/09/2016

 

 

O futuro do PT e o risco da radicalização

A caminho da oposição, o PT começa a usar um discurso envelhecido. Por que posturas políticas modernas e realistas são importantes para o debate político brasileiro

REDAÇÃO ÉPOCA
07/09/2016 - 09h00 - Atualizado 07/09/2016 14h47
 

Em seu primeiro discurso como ex-presidente, Dilma Rousseffemocionou a claque com a frase: “Haverá contra eles a mais determinada oposição que um governo golpista pode sofrer”. E arrematou: “Vão capturar as instituições do Estado para colocá-las a serviço do mais radical liberalismo econômico e do retrocesso social”. É jogo de cena, claro. Até agora o governo Temer não acrescentou nada de novo na agenda dos últimos tempos da política brasileira. Defende um teto para os gastos públicos, ideia que surgiu no início do governo Lula e foi retomada por um ministro de Dilma, Nelson Barbosa. Vai retomar a discussão das reformas previdenciária e trabalhista – que a própria Dilma prometia fazer, no fim de 2015, embora não tivesse mandado nenhum projeto ao Congresso. Em todos esses casos, as nuances fazem muita diferença, claro. Mas até agora o governo Temer não colocou em cena nada de muito diferente das soluções consensuais que nortearam, inclusive, os governos do PT.

O que mudou? O PT agora foi para a oposição – e, na oposição, a julgar pelas últimas declarações de políticos do partido, como o senador Lindbergh Farias, pode retomar o estilo que os petistas usavam no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso. Se isso se confirmar, o PT bombardeará toda e qualquer medida do governo Temer, concordando ou não com ela. “Ir para a oposição agora é confortável, porque o ajuste vai ser muito impopular. É fácil. Vai dar voto”, afirma o sociólogo Celso Rocha de Barros.  O PT se opôs, no governo Fernando Henrique, a medidas de austeridade que  acabaria por adotar depois, no primeiro governo Lula. A diferença entre o discurso do PT na oposição e de quando chegou ao poder marca aquilo que os cientistas políticos chamam de “esquerda tradicional” e “esquerda moderna”.

A esquerda moderna é aquela que concilia o desejo de igualdade com uma administração competente e responsável da economia, que a faça crescer e gerar recursos para criar programas sociais. O governo de FHC cabe nessa definição. O governo de Lula, pelo menos até 2008, seguiu o mesmo figurino.

Nos dois casos ocorreu uma combinação virtuosa entre uma administração econômica que os especialistas chamariam de “ortodoxa” – com ajustes fiscais e a previsibilidade que atrai investimentos que geram empregos – e a criação de políticas sociais. Os santos padroeiros da esquerda moderna, que nos anos 1990 era chamada de terceira via, são o ex-presidente americano Bill Clinton e o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair. Fernando Henrique se juntou ao clube – e o sociólogo inglês Anthony Giddens, criador da expressão “terceira via”, diz que o Lula do primeiro mandato merecia carteirinha de sócio.  

A esquerda tradicional, em contraposição, é aquela que defende a criação e ampliação infinita de políticas sociais – mas não oferece soluções de como viabilizá-las na economia real. “O problema do socialismo é que eventualmente o dinheiro alheio acaba”, disse em 1976 a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. A coalizão Syriza, que quebrou a Grécia, é um exemplo de esquerda tradicional. Outro exemplo é o último candidato a primeiro-ministro do Partido Trabalhista inglês, Ed Miliband – que perdeu a eleição ao não conseguir dizer de onde tiraria recursos para viabilizar suas promessas. Nas democracias mais saudáveis, a esquerda moderna e a direita moderna mantêm um debate produtivo sobre problemas concretos. Propostas como as de Miliband são vistas com desconfiança – embora populistas existam, em todo lugar, sobretudo em situações de crise.

Se o PT, na oposição ao governo Temer, adotar o discurso da esquerda tradicional – fincar pé na manutenção dos programas sociais sem propor alternativas concretas de como viabilizá-los no mundo da economia real –, disputará  eleitores com outros partidos que já fazem o mesmo. O mais notório é o PSOL – que combina um programa moderno do ponto de vista dos direitos individuais, ao defender o casamento gay e a liberação de drogas leves, com propostas antiquadas do ponto de vista econômico. Isso deixaria vago, na política brasileira, o posto de defensor da esquerda moderna.

A esquerda moderna não tem um representante claro no Brasil. “Eles hoje estão dispersos em vários partidos, como o PSDB, o PMDB, o PPS, o PSB e a Rede”, diz o filósofo Fernando Schüler. Na campanha de 2014, o espaço foi ocupado por Marina Silva, que depois resolveu dar um tempo na política. Segundo o sociólogo Celso Barros, esse espaço não ficará vago por muito tempo. “Ele é eleitoralmente bom. Lula ganhou quando moderou seu discurso e foi reeleito depois de um primeiro mandato em que adotou a política econômica ortodoxa do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci”, afirma o sociólogo. “O eleitorado parece querer o que Lula ofereceu: políticas sociais e distribuição de renda, com um certo equilíbrio macroeconômico e uma certa previsibilidade.” O senador Cristovam Buarque, do PPS, personificou o dilema entre a sensibilidade social e a responsabilidade fiscal. “Espero que o presidente Temer cumpra seu compromisso de recuperar a estabilidade monetária”, afirmou Buarque, ao votar, constrangido, a favor do impeachment. Ex-petista e ex-ministro do governo Lula, Buarque pertence ao mesmo campo da esquerda que o PT. Mas não tolera irresponsabilidade fiscal. “Estamos fazendo o impeachment não só de Dilma, mas de uma esquerda velha.”

Tal dualidade existe também na direita. Os cientistas políticos definem a direita tradicional como uma mistura entre  liberalismo econômico e conservadorismo de costumes. O sociólogo Giddens diz que tal direita está fadada a desaparecer, principalmente entre os jovens. No debate brasileiro, a direita tradicional se expressa por políticos de extração religiosa, espalhados por vários partidos. Basta lembrar os louvores a Deus ou “à família tradicional”, na sessão que aprovou o impeachment na Câmara dos Deputados. Aquela ode ao conservadorismo religioso – mais a composição do primeiro ministério de Temer, sem mulheres ou negros – ajudou a sedimentar, entre intelectuais de esquerda, a versão de que a presidente Dilma foi vítima de um golpe perpetrado por misóginos intolerantes. “É muito fácil passar o dia jogando pedras na direita brasileira, afinal ela é caricata e machista. Atribuir a eles a responsabilidade pelo impeachment é um exercício narcísico, improdutivo”, diz o filósofo Vladimir Safatle. A realidade, claro, é mais complexa. O governo Temer é um condomínio com várias tendências ideológicas, incluindo o que há de mais moderno do ponto de vista da gestão econômica. O discurso do “golpe”, com a vitimização e o clima de “nós contra eles”, pode atrasar uma importante autocrítica das esquerdas no Brasil. “O fracasso do projeto nacional-desenvolvimentista do governo Dilma levou o Brasil à grave crise e comprometeu os ganhos sociais da última década”, diz o economista Marcos Lisboa, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo Lula. “A gente tem de rever políticas públicas que estão na contramão do mundo, como o regime previdenciário, que permite aposentadorias aos 50 anos de idade.”

A redução do peso do Estado terá a contribuição da direita moderna, que, segundo os cientistas políticos, se caracteriza pela postura igualmente liberal na condução da economia e nos costumes. Bandeiras caras à direita tradicional, como livre porte de armas, convivem com bandeiras caras à esquerda, como casamento gay. Na essência, é tudo liberdade individual. Historicamente impopular no Brasil, na última década o liberalismo ganhou foros de discussão, como o Instituto Millenium, e um partido: o Novo. Registrado no TSE em 2015, o Novo estreou neste ano em eleições ao lançar uma candidata à prefeitura do Rio de Janeiro, com o slogan “Mais com menos”.

Uma democracia se faz com uma pluralidade de pontos de vista. É normal existirem tendências tradicionais e modernas à esquerda e à direita. O debate entre as posturas modernas, que partem do mundo concreto – o realismo econômico e a evolução dos costumes –, costuma ser, no entanto, mais produtivo. Se o PT abandonar a esquerda moderna, é importante aparecer alguém que abrace essa posição. É igualmente fundamental a direita moderna ganhar densidade política à altura de sua densidade teórica. Quando isso ocorrer, o debate público brasileiro atingirá um outro nível.

As vozes do Brasil (Foto: ÉPOCA)




 

 

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