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  Rasga-rasga - Joaquim Eloy dos Santos

Data: 31/10/2019

 

Rasga-rasga

Joaquim Eloy dos Santos - Escritor


A administração pública (é mesmo, administração?) pelos brasis e por aqui, em Petrópolis, é algo tão estranho como o terrível monstro do lago Ness ou o vampiro da Transilvânia. Existe um fator, que podemos chamar de descontinuidade ou despreparo ou crassa e enraiada ignorância, praticado sem pudor pelos dirigentes políticos: o rasga-rasga.

O que vem a ser? Em princípio, tem a ver com papel e a multiplicidade de termos bem ajuda a discernir e interpretar: cortar, fragmentar, destruir, enfim, significa o desfazer de algo pela destruição e depósito em uma boa lata de lixo ou no setor da reciclagem que seleciona os descartáveis secos.

Muito bem, a compreensão, se geral, inflama algumas interpretações sobre a ação mais nociva praticada pelas administrações do setor público, um fenômeno só detectado em cabeças ocas e sem previsão qualquer de futuro; existente no miolo mole dos políticos cujo fazer político só comanda o imediatismo de fundo eleitoreiro e, por último, o rasga-rasga exercido por aqueles idiotas de plantão que se acreditam gênios da criatividade, que não necessitam de exemplos e experiências e possuem a genialidade do criar o novo, ao arrepio das conquistas já alcançadas e que nas mãos desses iconoclastas, viram lixo para depósito nas calendas gregas.

Trocando em miúdos, ou rasgando o verbo: o grupo que chega ao poder determina que se jogue tudo fora e seja iniciada uma “nova era administrativa”. E, também, do outro lado, daqueles que saem e que não desejam que “suas idealizações” recebam assinaturas que não as suas. Todos no mesmo círculo viciado da nefanda descontinuidade.

- Rasga! Rasga! Rasga! É o comando central!

A ordem geral é rasgar, transformar a documentação criada no governo que sai, em tiras de papel; e alguns documentos, de preferência, incinerados. E ocorre o fenômeno, que dura algum tempo, do frenético ranger das desfragmentadoras de papel, que é ouvido lá pelas bandas da extinta Cochinchina.

Exageros à parte, de efeito puramente literário, sobreleva a incrível constatação da burrice de quem entra, jogando fora conquistas que poderiam ter continuidade, aprimoradas, remanejadas, para uma sequência lógica do efeito administrativo correto e inteligente. Mas, não! O que entra quer criar novos rumos (as famosas promessas de campanha, por exemplo). E se, em lampejos, compreenderem que projetos anteriores são essenciais, trocam os títulos, alteram termos sinonímicos das regulamentações, criam “brilhantes ideias” e acabam arautos de projetos, sabidamente travestidos com as cores das caixas mágicas no estilo das maquiadoras profissionais.

Na outra face aqueles que saem dos governos e destroem toda a documentação, para não deixarem nada ao sucessor, em incrível e crônica burrice do rasgar o que foi feito, nada sobrando registrado para a história. Morre ali o bem-feito e o lixo.

Em tempos de contatos diretos com alguns setores da administração pública, petropolitana, tive oportunidade de ver e sentir tão grave problema, sob as duas fases: a primeira, a destruição de tudo pelos que estavam saindo e, em outra faceta, o mesmo pelos novos dirigentes. Nos meus momentos de servir, deixei as repartições em boa ordem, com todos os projetos em aberto e aptos à continuidade e sabedor, dias seguintes, do rasga-rasga de tudo. Mais tarde, projetos de minha era, reaparecerem com nomes trocados e regulamentos maquiados.

E assim tem sido e tudo ascendendo ao pior, gerando imbecis “começar de novo”, frase de efeito que gera a descontinuidade, como sabiamente afirmou o grande poeta Raul de Leoni no soneto “Legenda dos Dias”, na derradeira estrofe, o magnífico terceto: “E a Vida passa... efêmera e vazia:/ Um adiamento eterno que se espera,/Numa eterna esperança que se adia...”.




 

 

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