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  Da fábrica de iogurte ao colapso fiscal

Data: 15/09/2015

 

 

Da fábrica de iogurte ao colapso fiscal

Ricardo Gallo, IG – 15/09/2015

vacabrejo

Economia é muito simples. Ela apela a princípios básicos de bom senso financeiro que todo chefe ou chefa de família usa no seu dia a dia. Contudo, como toda área do conhecimento, ela usa conceitos abstratos para representar tais princípios e se vale de uma linguagem muitas vezes bem complexa. Um dos meus prazeres é tentar traduzir estes conceitos para uma linguagem que as pessoas não versadas no assunto possam compreender e assim entender o que diabo está acontecendo com a nossa economia e o que nos trouxe até aqui.

Creio que esta fábula abaixo pode ajudar neste sentido.

Imagine a seguinte situação:

Você montou uma fábrica de iogurte com frutas numa pequena cidade do interior com mil habitantes. Dimensionou tal fábrica para que ela produzisse 800 iogurtes por dia, pois esta seria a quantidade de habitantes da cidade com poder aquisitivo suficiente para comprar tais iogurtes. Contratou oito operários, fez contratos de fornecimento com os leiteiros da região que lhe garantiram o suprimento de leite suficiente para atender este nível de produção e comprou equipamentos.

O prefeito da cidade, seu amigo, decide então promover a bolsa iogurte, para todos aqueles habitantes mais carentes (200) terem acesso ao produto populismo. Desta forma, ele decide promover o crescimento da indústria de iogurte na cidade dirigismo, para gerar produção, impostos e empregos locais, impedindo assim a importação de iogurtes de outras cidades protecionismo. Ele estima que o aumento da produção de iogurte em 25% irá gerar os impostos necessários para manter o subsídio dado à bolsa iogurte.

Como ele é seu amigo, ele lhe dá uma lista clientelismo destes habitantes mais carentes que poderão ir todo dia a sua fábrica e levar um iogurte de frutas de graça. No final do mês você apresenta a conta ao prefeito que lhe deposita a grana imediatamente em sua conta no banco.

A demanda de sua fábrica salta imediatamente 25% e você precisa contratar mais gente, investir em equipamentos e ampliar seus contratos de fornecimento. O prefeito deposita então dinheiro da prefeitura sem nenhuma remuneração no Banco da Cidade e pede ao gerente do banco amigo patrimonialismo que empreste estes recursos a você e a seus fornecedores com o propósito de financiar a ampliação da produção de iogurtes, mas cobrando juros bem baratinhos para aumentar a competitividade da produção local de iogurte vis a vis o produto importado crédito subsidiado.

Porém, você descobre durante a contratação dos iogurteiros, que seus salários subiram bastante devido à falta de mão de obra qualificada na sua região falta de capital humano. Você também descobre que precisa comprar leite de outras regiões, pois as vacas da sua região não conseguem aumentar a produção em 25% de forma sustentável, já que não eram tão produtivas como se esperava baixa produtividade.  Isto tudo acabou encarecendo em 33% o custo de seu produto. Com seus custos subindo, você não teve escolha, senão subir o preço do iogurte. Porém, a alta da inflação do iogurte fez com que a demanda pelo produto caísse. Suas vendas e produção voltaram assim para 800 / dia, 200 iogurtes subsidiados pelo Município e 600 vendidos a seus consumidores tradicionais, que cortaram seu consumo em 25% em função da alta do preço.

Você e seus fornecedores de leite então ameaçam demitir seus funcionários recém-contratados e dar calote no empréstimo tomado junto à prefeitura. Mas, como era ano eleitoral, a prefeitura decide então reduzir os impostos cobrados sobre o iogurte e sobre o leite. O custo de tal redução de impostos para os cofres públicos equivale ao valor de 200 iogurtes, o que lhe permite manter o preço baixo e a venda volta então 1000 iogurtes.

Imagine agora que a prefeitura entre em crise fiscal, ou seja, ela não consegue mais gerar recursos para financiar o buraco causado no orçamento pelos subsídios dados na bolsa iogurte e pelo corte de impostos, que agora montam o equivalente ao valor de 400 iogurtes dia, 200 para bancar a bolsa iogurte e 200 para cobrir a desoneração de impostos. O município então precisa recorrer a empréstimos junto a pessoas como você, que estão gerando lucros com a venda de iogurte. Você passa a investir seus lucros acumulados não mais no aumento da produção, tampouco na redução da dívida que tem com o banco, mas em empréstimos para a prefeitura, pois, se não o fizer, suas vendas despencam. Logo, todo dia você empresta recursos equivalentes ao valor de 200 iogurtes para que a prefeitura possa bancar assim o corte de impostos.

Você segue então produzindo e vendendo mil iogurtes por dia, pagando a seus funcionários bons salários e emprestando cada vez mais à Prefeitura. A população carente fica feliz com a bolsa pão.  Todo mundo fica contente. O Prefeito ganha então a eleição, com contribuições suas e de seus fornecedores para a campanha, com forte apoio dos 200 beneficiários da bolsa iogurte e dos 10 operários bem remunerados em sua fábrica, que formam assim o sindicato dos iogurteiros.

Contudo, o endividamento da prefeitura começa a subir de forma preocupante. Com medo de não receber sua grana de volta, você decide subir os juros cobrados da prefeitura, o que a leva a se endividar cada vez mais para cobrir os juros pagos. Chega a determinado ponto em que o prefeito bate no limite de endividamento fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal.  Ele, contudo, contrata um contador gaúcho bem criativo que sugere que a prefeitura passe a depositar no banco a grana para te pagar a bolsa iogurte, não mais no último dia do mês como combinado, mas no primeiro dia útil do mês seguinte. Ao mesmo tempo, o contador gaúcho pede ao banco amigo que adiante a você os recursos devidos no último dia do mês, conforme combinado.  Com isto o prefeito empurra as despesas com a bolsa iogurte um mês para frente falta de transparência, enquanto você continua recebendo normalmente seu dinheiro no dia combinado. Tudo perfeito, né?

O prefeito segue assim pedalando tal despesa para frente, até que o tribunal de contas do município descobre o esquema e impede a pedalada. Neste momento o prefeito se vê numa encrenca: ao reverter a pedalada, o rombo nas contas do município explode. Isto exige um forte ajuste fiscal, com corte em despesas ou aumento de receitas. Ao invés de interromper o programa bolsa iogurte, o prefeito opta por aumentar as receitas e passa a tributar fortemente a venda de iogurte e a produção e leite. O custo do iogurte sobe e a venda desta forma cai, para 700 iogurtes dia. Além disto, o prefeito decide retirar parte do dinheiro da Prefeitura que estava depositado no Banco para poder assim cobrir as despesas do município.  O Banco se vê então forçado a subir os juros cobrados de você e de seus fornecedores nos empréstimos contratados para a ampliação da produção.

Você entra em desespero, demite três operários, corta a produção e deixa o equipamento comprado para a ampliação da produção se sucatear, pois precisa cortar os gastos com sua manutenção.  O sindicato dos iogurteiros entra em greve e você interrompe a produção de iogurte por dois meses. Seu faturamento despenca e fica insuficiente para cobrir os juros devidos no empréstimo tomado junto ao banco. Você então deixa de honrar os encargos do empréstimo devido ao banco e entra em recuperação judicial.  A produção se estabiliza em 700 iogurtes.  O banco leva um baita prejuízo e corta assim a oferta de crédito a outros empresários da região, sufocando a produção e as vendas das empresas de outros setores. Isto derruba ainda mais a arrecadação de impostos, o que leva a prefeitura a cortar mais gastos e subir mais impostos para cobrir seus rombos.

Pegue esta história e multiplique por milhões e entenderá o que aconteceu com o Brasil nestes últimos quatro anos.

O PIB (produção de iogurte bruto) da cidade subiu de 800 para 1000 em função do subsídio dado pelo governo na compra de bens.  E caiu para 700 em função do desmanche da pedalada, da crise fiscal do município e da quebra da empresa.  O potencial de produção futuro da fábrica caiu de 1000 para 800, uma vez que a capacidade adicional criada neste período de euforia de gastos públicos foi sucateada por falta de grana para sua manutenção durante a crise. O emprego, que estava inicialmente em oito, subiu para 10 na euforia, mas caiu para sete com a crise. A arrecadação de impostos, que acompanhou o faturamento da fábrica, subiu 25% inicialmente, mas foi insuficiente para cobrir a perda com as desonerações tributárias e os gastos da bolsa iogurte. Assim, o endividamento público subiu de forma explosiva. O endividamento privado também subiu, causando perdas para os bancos e para o estado. A confiança na contabilidade da prefeitura foi para o saco em virtude das pedaladas.

Ou seja, esta fábula descreve os efeitos fiscais devastadores de uma política fiscal e monetária expansionista, tendo como base o crédito subsidiado, dirigismo, falta de transparência, clientelismo e populismo, num ambiente de falta de capital humano e de baixa produtividade, com despoupança do setor público e do privado.  Vamos levar anos limpando esta confusão, que traz, além de custo econômico, um estresse político violentíssimo, num momento em que a nossa Prefeita goza de níveis baixíssimos de popularidade, mesmo sem ter começado a tomar as medidas duras necessárias para reverter este quadro.

 

A nossa vaca leiteira de fato foi para o brejo. E vai ser muito difícil tirá-la de lá.




 

 

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