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  Enganaram o gringo

Data: 17/05/2014

 

Enganaram o gringo

Diário de Petrópolis, sábado, 17 de Maio 2014

 

A perda de identidade cultural é uma das principais pragas que pode assolar um povo. É como perder a própria alma. Dentre as diversas variedades que fizeram adeptos no Brasil, uma das mais irritantes é a importação de padrões americanos de relacionamento inter-racial. É o velho e triste esporte de copiar mal os gringos, que já nos causou estragos monumentais, como no caso do nosso presidencialismo “frankensteiniano” na esfera político-institucional. O racismo americano, durante séculos, foi o que pesquisadores denominaram de absoluto ao passo que o nosso foi do tipo relativo. Lá, vigorou a doutrina surrealista dos “iguais mas separados”, respaldada por lei, que chegou a definir o negro como ¾ de homem, coisa que jamais colocamos em letra de forma. Pior ainda: em lei com ares de ciência. A exclusão com base na cor da pele era total. O caráter relativo do racismo brasileiro permitiu, desde os tempos da colônia, que negros exercessem papel de destaque como Henrique Dias, comandante militar célebre nas lutas contra os holandeses. Ou a própria Xica da Silva, senhora poderosa nas chamadas minas gerais. Ou ainda, no Segundo Reinado, a figura ilustre de Cândido da Fonseca Galvão, conhecido como Dom Obá II d’África, herói da guerra do Paraguai, assíduo frequentador das audiências públicas aos sábados de Dom Pedro II, que sempre o tratou com consideração.

 

No caso americano, Barack Obama é considerado o primeiro negro a ser presidente dos EUA. Não obstante, ele declarou em entrevista que não era branco nem preto, mas mulato. Pai negro e mãe branca a quem muito deveu a excelente educação que recebeu. O que nós ignoramos é que, há mais de 123 anos, um mulato brasileiro, o Barão de Cotegipe, já havia sido Primeiro-Ministro do Império entre 1885 e 1888. Curiosamente, proclamada a república, intelectuais brasileiros de renome se muniram de teorias racistas para explicar o atraso relativo do país como resultante do grande contingente de negros em nossa população. Passaram, lépidos e fagueiros, sobre o nosso calcanhar de Aquiles: a educação de má qualidade dada ao povo nas escolas públicas. Ainda hoje, apenas um em cada quatro brasileiros pode ser considerado funcionalmente alfabetizado. Chegamos mesmo a produzir a figura esdrúxula do alfabetizado disfuncional, aquele que entende o que é óbvio para os demais mortais de modo diferente, como é o caso de certos ministros “iluminados” do STF.

 

E aqui chegamos ao caso do gringo enganado. Trata-se do Prof. Carl Hart, um neurocientista americano negro, autor de vários livros sobre viciados em drogas, que deu uma instigante entrevista ao jornal O Globo, de 9.5.2014. Lá pelas tantas, ele se disse surpreendido pela informação que lhe foi passada em um encontro com representantes do movimento negro. Em suas próprias palavras: “Dos 513 deputados federais do Brasil, apenas 7% são negros, sendo que estes representam 51% da população”. Certamente, o professor não deve ter prestado a devida atenção no que viu nas ruas do Brasil. Em qualquer grupo de 10, 20 ou 30 brasileiros, afirmar que metade deles é de negros simplesmente entra em choque com a realidade. O que não foi dito ao professor é que 40% da população brasileira é, de fato, composta de pardos e mulatos. E esta parte é a que mais cresce com o aprofundamento da miscigenação.

 

Essa visão dos 51%, no fundo, adota a classificação americana de que basta uma gota de sangue negro para que uma pessoa seja declarada negra. Tal despropósito nunca se enquadrou nos padrões brasileiros. Para nós, o mulato é junção, meio a meio, do branco e do negro como, aliás, se autodefiniu o próprio Obama, dando um “chega prá lá” naquela história de que basta uma gota de sangue negro para ser declarado negro. Quem esquece sua metade branca ou negra é, em termos psicológicos, alguém que sofreu uma amputação de suas raízes étnicas, coisa que acertadamente Obama se recusou a fazer. Na verdade, no Brasil, só atingimos os 51% quando somamos aos 10% de negros os 40 ou 41% de mulatos e pardos. Levando-se em conta este fato, a composição do congresso nacional não é tão distante da real composição racial da população brasileira. Estamos enganando o gringo ou a nós mesmos?

 

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Gastão Reis - Empresário e economista 




 

 

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