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  Por escolas boas, sem partido e sem religião

Data: 06/11/2016

 

Por Ruth de Aquino (foto)

Escolas, públicas e privadas, deveriam ensinar. O alfabeto primeiro. Depois português, matemática, história, geografia e ciências. Artes e cidadania. Pelos índices alcançados por nossos adolescentes, nem o básico se consegue no Brasil. A educação é tão indigente, as instalações são tão precárias, o bullying é tão violento e o nível dos professores mal remunerados é tão baixo que o debate é desviado para a doutrinação política, religiosa e de gênero.

Não me interessa se aluno pode usar saia, se aluna pode usar shortinho, se tem uniforme ou não. Não gostaria de matricular filhos em escolas que cultivassem uma doutrina – política ou religiosa –, fosse ela qual fosse. A maioria absoluta das famílias brasileiras deseja que o filho não perca aulas, que os professores não faltem, que o ensino prepare para um mercado competitivo. E que as escolas sejam centros de reflexão, e não de formação de soldadinhos de esquerda ou de direita ou de padres e freiras. Sou, como a maioria, contra a imposição de uma ideologia ou de uma fé. A diversidade continua a ser o melhor caminho.

A escola escolhida por meus pais estava longe de ser a ideal – mas os professores eram excelentes. Cursei o antigo primário numa escola militar em Copacabana em que menina também usava gravata e onde os alunos cantavam hinos no início do recreio. Obedecia-se à sineta para voltar à sala de aula. Tive aula de catecismo, com direito a missal – o livrinho católico com ritos e orações. Meninas tinham aula de prendas domésticas, só elas. Enquanto os meninos faziam futebol. Adulta, eu me tornei antimilitarista, agnóstica e uma nulidade em culinária e costura. Deploro a interferência de partidos e igrejas nas escolas. Deploro a discriminação a meninas – e a meninos.

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Hoje, vejo os pais no maior dilema ao escolher a escola. Se é longe, não quero. Se tem santo no nome, não quero. Se tem professor comunista ou militar, não quero. Se é rígida demais, não quero. Se é liberal demais, não quero. Drogas, aborto e transexualidade? Não quero esse debate em sala de aula. Ah, quero uma escola bilíngue para meu filho não precisar ficar no Brasil.

A massa dos pais não tem direito a dilema existencial, político ou religioso. As mães – sempre elas – ficam em filas imensas para tentar matricular suas crianças em qualquer escola pública. Que seja perto de casa ou, no interior do Brasil, a quilômetros de asfalto, mata, terra batida, córregos, rios. Que tenha giz, quadro-negro e ao menos um professor dedicado. Que sirva merenda escolar. Que tenha banheiro e papel higiênico. Que tenha teto e chão. Mãe briga e chora por não ter onde alojar filhos em idade escolar.

No Brasil privilegiado, os pais nunca pensam em matricular seus filhos em escolas públicas. E o motivo é simples. Acham o ensino pior e antiquado, acham as instalações hor-ro-ro-sas e não querem que seus pimpolhos percam o ano letivo por greves de professores e funcionários ou por ocupações de colegas. O Brasil mais culto é um Brasil dividido. Uma minoria vibra com as ocupações de escolas públicas contra a PEC disso e daquilo. Uma parte se entusiasma e se emociona com a jovem Ana Júlia, aos 16 anos mais articulada que 90% de nossos congressistas. Uma outra parte não dá like no discurso de Ana Júlia a favor das ocupações e só deseja que seus filhos passem no Enem. Ninguém quer o adiamento das provas.

Movimentos estudantis por melhor ensino são legítimos em qualquer lugar do mundo. No Brasil ou na França – país em que quase todo ano alguma escola ou universidade é ocupada por estudantes em protesto –, os governos sempre reagem mal, a polícia abusa na repressão, a falta de diálogo é a tônica do processo, os exageros acontecem de lado a lado. Em Curitiba, o adolescente Lucas Mota, de 16 anos, morreu com uma facada desfechada pelo colega numa escola ocupada. Ana Júlia acusou os deputados de ter “as mãos sujas de sangue”. Precisa voltar a estudar lógica.

O maior desafio do Brasil transcende o combate à desigualdade. Resvala na falta de valores, que deveriam ser passados também pelas famílias. Nossa regra é o desvio de função. Escolas deveriam ensinar. Alunos deveriam estudar. Deputados e senadores não deveriam enforcar dias úteis nem roubar. Vereadores não deveriam aprovar sua própria aposentadoria especial. Prefeitos e seus aliados não deveriam rezar o pai-nosso e transformar Deus em correligionário, como fez o pastor Marcelo Crivella, de mãos dadas com tucanos, no Rio de Janeiro. Hospitais deveriam ter leitos, medicamentos, tomógrafos e ser centros de cura, não centros de humilhação e doença, interditados pela vigilância sanitária. Policiais deveriam garantir a segurança, e não sair matando jovens inocentes. O desvio de função nos deixa sem teto e sem chão.

Revista Época



 

 

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