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  A PNPS de proveta

Data: 01/06/2014

 

A PNPS de proveta

Criado em Domingo, 01 de Junho 2014

 

O Governo Federal tem uma queda por improvisos em série e ojeriza por cumprir dentro dos prazos o que anunciou com pompa. Alguém lembra do Programa Brasil Maior anunciado em 1º de junho de 2011? Pois é. Virou suco, mero exemplo; como espero que seja esquecida esta Política Nacional de Participação Social – PNPS – que a Presidente acaba de decretar (decreto federal nº 8.243, de 23 de maio de 2014).

É furacão de seis páginas e meia, que cria ou cuida de conselho de políticas públicas, comissão de políticas públicas, conferência nacional, ouvidoria pública federal, mesa de diálogo, fórum inter-conselhos, audiências públicas, consultas públicas e ambiente virtual de participação popular. Ufa! Não me parece matéria que possa ser tratada em decreto, e propõe uma participação a nível federal que não pode ser exercida pelas pessoas. Chove no molhado ao repetir, ou ofende ao descumprir, a Constituição Federal, as dos Estados, as Leis Orgânicas Municipais, os Planos Diretores Municipais, a LRF, o Estatuto da Cidade e a Lei de Acesso à Informação. E outras. A paquidérmica elucubração é prato feito para a cooptação da participação popular pelas “Quatro Irmãs”: as siglas partidárias, as centrais sindicais, as igrejas pragmáticas e as tentaculares  organizações que gozam de especial simpatia nos palácios.

Penso que as “sociedades civis organizadas” dos diversos municípios já estejam calejadas com a prática das Conferências das Cidades. É o tipo do sistema burocratizado, enfeudado, centralizado, que não atende aos mínimos requisitos da chamada “gestão participativa”. Pois funciona mais ou menos assim: o Ministério das Cidades gera um documento base que é remetido para os municípios e costuma chegar em cima do final do prazo. As Conferências Municipais devem discutir esse documento, mesmo se o tema não interessar as pessoas e se a redação do mesmo as chocar; e devem eleger os seus representantes para as Conferências estaduais. Quando chega o momento da eleição dos representantes, a maioria dos participantes à Conferência Municipal não tem o menor interesse em ir ao Rio de Janeiro (nosso caso) discutir abobrinha, pois o que tinham que dizer, dito está; despedem-se e voltam para casa É aí que entram os representantes de grandes movimentos, das Quatro Irmãs acima citadas, e compõem a delegação que irá ao Rio. Dali para frente, a participação das pessoas virou saudade.

A função da etapa estadual é de pinçar alguns comentários deste ou daquele município, gerando o relatório estadual que já virou salada de arroz com manga, tudo misturado e sem maior sentido...  A segunda responsabilidade consiste, claro, na eleição dos delegados dos delegados, estes que representarão o Rio na Meca da política, o DF. A Conferência Nacional já em nada mais lembra as pessoas de Petrópolis, Maricá ou Resende. Quem está lá a discutir não são mais as pessoas de carne e osso nem os seus representantes diretos, mas os representantes dos representantes indicados, na maior parte das vezes, por uma das Quatro Irmãs.

Pois é este sistema que multiplica nada por coisa nenhuma que é retomado pela PNPS, em muito maior, em mais complexo e ineficiente, pelo menos no que se refere à verdadeira participação popular.

Não há quem não saiba, no Brasil, que a participação somente pode se dar, de modo direto, no Município, e não é por outra razão que a Constituição reconhece que o Plano Diretor municipal é o instrumento básico do desenvolvimento municipal, que deve ser observado até nas intervenções federais e estaduais.

Não há quem não saiba, na Região Serrana Fluminense, que o Governo Federal não liga a mínima para a gestão participativa, como mais uma vez o demonstrou nas ações que se seguiram à desgraça de 12 de janeiro de 2011. Em momento algum, após os sobrevoos clássicos e as promessas formuladas e esquecidas, as entidades da sociedade civil foram ouvidas nem as pessoas foram tratadas, com a dignidade e o respeito que merecem.  

PNPS? Não criem mais nada, façam funcionar o que já existe! O Estatuto da Cidade está largado às traças, a ANTT federal zomba da população nas falhas “audiências públicas” que prestigia. Em vez de elaborar decretos como este, por que não fazer cumprir o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Duas linhas, em vez de seis páginas, e muito mais eficiente.

Se este fosse o objetivo.

Philippe Guédon

P.S.: anexo a íntegra do decreto lei 8.243 de 23 de maio de 2014

 



Arquivos:

 Decreto Lei 8243 - PNPS.docx


 

 

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