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  Em breve, a execução da carta de fiança - César Felício

Data: 10/06/2016

 

Em breve, a execução da carta de fiança - César Felício

 
• Meirelles conduz um governo que busca blindagem
 
- Valor Econômico
 
O governo Michel Temer, a rigor, não existe por ora, no conceito mais amplo do que pode se entender por governo. Tão logo deixe de ser interino, como tudo indica que ocorrerá dentro de dois meses, tende a permanecer sem liderança política, sem apontar um norte para a crise institucional, sem demonstrar uma vontade e nem desenvolver uma estratégia.
 
Trata-se de um problema de liderança. Em quase um mês de gestão, Temer estreitou sua base potencial de apoio na sociedade, para fortalecer-se no parlamento. Fora do Congresso transita entre Paulo Skaf, algumas centrais sindicais e Alexandre Frota. Seu ministério é um compêndio de provincianismo e mentalidade regressiva, sobretudo entre os ministros da área social.
 
No Congresso, resolvida a pendência sobre o impeachment no Senado, arrisca-se a permanecer emparedado pela Lava-Jato, de um lado, e pelo espírito de Eduardo Cunha que anda sobre as águas da Câmara, pelo outro.
 
Restam dois núcleos onde pode-se falar que seus condutores sabem o que querem e para onde vão. José Serra altera o paradigma da política externa brasileira, mas em um país como o Brasil, a chancelaria não dá o tom de um governo. Do ponto de vista simbólico, o ministro das Relações Exteriores teve a sorte de poder antagonizar logo no início de sua gestão com um dos governos mais desgastados do mundo, o da Venezuela, que encabeçou a recepção internacional ao discurso do governo afastado de que houve um golpe no Brasil. Mas não é por meio do ministério, obviamente, que Serra garantirá seu lugar no cenário nacional.
 
O núcleo condutor do governo está nas mãos de Henrique Meirelles. O ministro da Fazenda vem de uma família encrustrada na política goiana, teve o sonho de governar Goiás e por lá se elegeu deputado federal em 2002 pelo PSDB, mandato que jamais chegou a exercer. Meirelles em várias ocasiões se posicionou como uma peça importante no tabuleiro para Lula e Kassab, cotado algumas vezes para a prefeitura da capital ou o Senado em São Paulo. Mostra-se útil, mas evita ser usado. Não é um político amador.
 
Aos 70 anos, Meirelles vive o presente. Parece saber que seu nome será lembrado em 2018, caso entregue crescimento econômico, como também poderá ser o de Michel Temer. Torna-se claro, atualmente, que a força de Meirelles como condutor da economia deriva da crise, e não do concerto político. Daí se entende Temer afirmar em uma cerimônia no Palácio do Planalto que o país estará "salvo" se a equipe permanecer, mesmo que ele próprio se afaste do comando do país.
 
A estratégia econômica do Planalto hoje não é a de quem pretende ganhar uma eleição, como disse um dos formuladores do programa "ponte para o futuro", mas pode transformar Meirelles em um fiador não só de Temer, mas do futuro governo, seja qual for.
 
O ministro da Fazenda tem na draconiana proposta de emenda constitucional que congela o gasto público a sua batalha central. Aguarda-se a proposta para terça-feira. A se confirmar o que já foi delineado, a solvência do Estado ficará garantida mesmo com o comprometimento definitivo da educação e da saúde pública.
 
Não se sabe se o ministro irá transigir para preservar estas duas áreas, mas se sabe que Meirelles não quer fórmulas transitórias. As informações que existem são de que o ministro não desejaria passar uma emenda que precise ser renegociada com o Congresso de tempos em tempos, como se fosse uma nova DRU. A ideia é que só uma fórmula atemporal daria a sinalização de que a limitação de gastos públicos com qualquer outro item que não seja compromissos com a dívida pública seria definitiva.
 
Há seis meses, no encontro nacional da indústria, Meirelles citava a baixa qualidade da educação como o principal problema do país, porque afetava a produtividade do setor empresarial. Reconhecia a tributação elevada. A necessidade de investir, por um lado, e a limitação para ter receita, pelo outro, fazia com que o corte de despesa pública se tornasse a condição inegociável para que o país garantisse uma taxa de crescimento econômico média de ao menos 2,5% ao ano, conforme sinalizou.
 
Na ocasião, Meirelles afirmou que o sistema político não existe como um órgão à parte, fora da sociedade. "Ele tem que disputar a eleição e tem que ganhar", afirmou. Disse que o Poder Executivo era muito forte e tinha uma margem de manobra muito grande para impor sua agenda ao Congresso. "Em última análise, a realidade prevalece", garantiu.
 
São precisamente duas as variáveis que precisam ser demonstradas para que o plano de Meirelles se concretize. O primeiro, e mais importante, é verificar se a política de Estado formulada por Meirelles, em que rigor fiscal e abertura para a iniciativa privada são pilares, é uma demanda real da sociedade, como foi o fim da inflação nos anos 90 e o combate à desigualdade na década passada. Para se verificar isso, as megamanifestações deste ano e do ano passado não são bússola.
 
O segundo é o do poder do Executivo frente ao Congresso. A lógica do governo Temer é parlamentar, em que a formação de uma maioria não se deu em torno de um projeto, seja o seu ou de qualquer outro.
 
O ministro da Fazenda ainda tem crédito junto ao mercado porque acredita-se que a recessão, a maior desde sempre, segundo suas próprias palavras, teria feito com que seu receituário se tornasse de tal forma consensual que blindasse a equipe econômica da dissolução do modelo político.
 
A blindagem é um pressuposto que funcionou na transição entre o governo Fernando Henrique e o de Lula, ocasião em que o próprio Meirelles ingressou na equipe econômica, mas somente nesse caso. No caso único de 2002, Meirelles tornou-se presidente do Banco Central como um garante do novo governo diante do mercado, uma vez que a permanência de Arminio Fraga era inviável.
 
Em todos os outros casos, a fiança econômica não funcionou. A variável política fez submergir a estratégia econômica, como ensina o insucesso de San Thiago Dantas e Carvalho Pinto no governo Jango e de ministros da Fazenda no governo Sarney.



 

 

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