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  A MENTIRA

Data: 26/05/2015

 

 

A MENTIRA

Philippe Guédon

 

         As relações comerciais no varejo são normatizadas por regras severas que protegem os consumidores. Mentir, até omitir, é ilícito sujeito à penalidades. Calar que tal produto contém glúten, ou não imprimir o lote e data de fabricação, apregoar virtudes inexistentes na publicidade, são práticas passíveis de punição legal. Mentir é pecado para as religiões e é errado frente à ética e a moral, salvo razões de consciência maiúsculas.

         Mas no topo de nossa duvidosa escala social, mentir é sinal de esperteza que não requer justificativa. Lá nos “Olimpos” e “Brasílias”, roubo virou malfeito, falsário virou aloprado, calúnia e difamação viraram excessos de campanha, roubo virou caixa dois, faca deixou de ser arma (mesmo se tiver porte de peixeira e for ponteaguda), consertar desmandos virou ajuste e até Corte Superior, cujo zelo com o português usa ser notável, assegura que “deferiu” um estatuto partidário quando o acórdão em causa apenas permitiu o registro do mesmo por já existir a sigla... Dado que a nossa lei considera “interna corporis” as normas que regem os partidos e concede o monopólio de seleção dos candidatos a cargos públicos eletivos à essas pessoas jurídicas de direito privado,  seria tranqüilizador um maior rigor no exame dos seus estatutos. Afinal,  como se pode “deferir” o que não é sequer lido? Afirmo que há normas estatutárias em vigor que solapam o regime democrático e á Lei 9.096. Exemplo: como se pode presidir uma ferramenta para exercício da democracia se já se ocupa o cargo há mais de um quarto de século, negando a alternância no poder? E há coisa muito pior, a ensejar “malfeitos” a rodo. Junto a quem se pode reclamar? O Cidadão Fulano vai à Vara Cível da capital protestar contra horrores do estatuto do partido Tal, “deferido” pelo TSE. O seu bolso enfrenta o Fundo Partidário. A isonomia foi para o “beleléu”.

         Mente-se nos partidos, no Executivo, no Legislativo e em outras áreas de escol. Desaparecem gravações, chefes ignoram o que fazem os seus subordinados e nem por isso perdem a pose de “gestores”, o dito fica pelo não dito e vice versa. Comportamentos que não aceitaríamos à nossa volta, constituem o feijão com arroz dos noticiários. Até a Pátria educadora soçobra ao criar sem-aulas e sem-crédito.

Anuncia-se uma reforma política, e se cuida de arranjo eleitoral que favoreça as maiores siglas. Fala-se em “movimentos sociais” mas evita-se a base, negando o conceito de subsidiariedade. Não gostou? Olhe que eu chamo meus mercenários...

         Mentimos, no topo, não por nobre intenção, mas porque os marqueteiros que ditam moda venderam essa visão abjeta: diga lá o que melhor lhe convier a cada momento, pois vale tudo quando a alma é pequena. Corolário perverso: gerar parâmetros através do planejamento é coisa de trouxa. Improvise, e, se não der certo, esqueça.

 

         A República laica distanciou-se de suas raízes religiosas para permitir a coexistência de todas as crenças. Não pediu reciprocidade – baita lacuna – e confundiu a equidistância dos dogmas com o abandono de valores éticos e comportamentos retos. Liberou geral, e assistimos ao caos que gerou. Não se iludam, vai levar tempo para trazer de volta a decência.




 

 

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