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  São os eleitores que escolhem

Data: 17/03/2014

São os eleitores que escolhem

Criado em Segunda,17 de Março de 2014

O observador que acompanha os processos políticos em países democráticos, sabe que os partidos políticos têm dedicado os seus melhores esforços a puxar todas as brasas para as suas sardinhas. Norberto Bobbio já havia estudado a questão na década de 80 e constatado a ocorrência de um fenômeno a que chamou de partitocracia.

Os partidos, ferramentas criadas para permitir o exercício da democracia representativa a partir da vontade dos cidadãos, viram crescer as suas ambições e resolveram que a democracia era, em verdade, uma tremenda de uma oportunidade para assegurar carreiras brilhantes e compensadoras aos integrantes de seu núcleo central de poder. De ferramentas passaram a senhores, e deu no que deu.

O caso brasileiro referenda o acerto dos estudos de Bobbio. A frase lapidar que constitui o parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal: “Todo o poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, deixou, há muito, de corresponder à verdade dos fatos.

Pois os “representantes” não são do povo, mas sim dos partidos. O que são os partidos? No nosso caso, trinta e duas pessoas jurídicas de direito privado, que alegam contar com 15 milhões de filiados mas são poupadas de recadastramentos periódicos pelo TSE que reduziriam esse universo a um terço ou um quarto. Mas aceitemos, para efeito de raciocínio, o número oficial de 15 milhões de filiados. Como somos mais de 140 milhões de eleitores, podemos dizer que quase 90% dos eleitores não julgaram nenhum partido digno de sua filiação. Ou sejam, partidos não podem pretender falar, selecionar, decidir “com o povo, para o povo e pelo povo”.

Mas não para por aí a esperteza dos partidos. Como são eles, através de suas bancadas, que elaboram as leis, pois se atribuíram o direito exclusivo de dizer quem será ou não será candidato. Os eleitores, obrigados a comparecer às urnas, só podem optar escolher dentre os nomes selecionados pelas direções dos trinta e dois partidos, um punhadinho pequeno de pessoas, que decidem em lugar do povo quem pode ser “representante” dos eleitores. Em verdade, o eleitor só entra neste samba para dar legitimidade aparente a um vergonhoso processo de escamoteação de um baita direito constitucional.

Diz a lei (9.504/97, se houver alguém interessado), que os candidatos são escolhidos pelas Convenções eleitorais de 10 a 30 de junho. Com todo o respeito: é afirmação contrária à verdade. Os nomes dos candidatos que farão parte das listas dos partidos já chegam prontinhas nas Convenções, destinadas a bater bumbo, levantar a mão dos ungidos, ouvir discursos e muita conversa fiada. Discordar, nunca.

Assim, e reconhecendo que não sou ninguém, devo divergir do Ministro Marco Aurélio de Mello que diz ter cada povo o Governo que merece... Pois se no Brasil, nem as candidaturas avulsas permitiram os partidos? Temos que escolher alguém nas relações impostas, e fim de papo. Se um é ruim e o outro é pior, pois optemos pelo menos trágico, é o máximo que os eleitores pode fazer, além de anular o seu voto, ou votar em branco. Em todos  os três casos, a sua cidadania é cerceada pela partitocracia.

O curioso é que, apesar de ser esta a questão central – afinal, os mandatários eleitos representam o povo ou os partidos? – quando se fala em reforma política fala-se de grana, de campanhas, de qual a melhor maneira de garfar a soberania popular (com lista ou com voto distrital), mas nunca de cumprir a Constituição. O que seria fácil, ao permitir, pelo menos, os candidatos avulsos, independentes, sem-partido.

Esperar que o Congresso tome a iniciativa de extinguir uma parcela de sua montanha de privilégios, contra a vontade dos partidos lá representados, é querer acreditar em Papai Noel. Como fazer, então? Talvez arguindo da manifesta inconstitucionalidade dos representantes do povo não serem escolhidos pelo povo, mas por alguns cidadãos, muito mais iguais do que os demais. Ou pedindo ao TSE que não enseje casos como este que vou citar e que não é único; a fonte do texto é O Globo, edição de 14 de março 2.014, página 8, título “Dupla dinâmica (...): o encontro (...) contou com a presença, entre outros, do ex-senador também cassado Luiz Estevão, presidente regional do PRTB, o partido de Liliane Roriz”. Nossas cúpulas partidárias abrigam cidadãos desse jaez que escolhem, a portas fechadas, quem fará parte das opções dadas aos 140 milhões de eleitores. Chamar a “isso” de democracia representativa é ofensivo.

Philippe Guédon 




 

 

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