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  Vale do Cuiabá: moradores relembram cinco anos de tragédia, em dia de chuva

Data: 17/01/2016

 

Vale do Cuiabá: moradores relembram cinco anos de tragédia, em dia de chuva

 

Aline Rickly - Tribuna de Petrópolis

 

Cinco anos se passaram e o trauma do dia 11 de janeiro de 2011 ainda marca o semblante de centenas de pessoas que vivem no Vale do Cuiabá. Na sexta-feira, eles vivenciaram mais uma vez a cena do medo, do desespero e da incerteza. Deslizamentos, diversos pontos de alagamentos e um rio que não parava de encher, acompanhando as chuvas, que não deram trégua. Acompanhar o nível da água faz parte da rotina de quem mora na região, uma das mais afetadas na época do desastre que matou mais de 900 pessoas e deixou, pelo menos, 377 pessoas desaparecidas em toda a Região Serrana. 

Por volta das 16h de sexta, o nível do rio começou a subir e a correnteza ficava cada vez mais violenta. Quando viu que também descia muita água dos morros, Delaine de Oliveira, de 38 anos, resolveu sair de casa. Ela e o marido Bruno Gouveia, de 33 anos, que levou a filha de 4 anos no colo, procuraram abrigo na casa dos patrões, que fica na Estrada Ministro Salgado Filho, onde consideraram mais seguro. Esta foi a hora que muitos moradores fizeram a mesma opção, antes que os alagamentos aumentassem, assim como os deslizamentos. O medo era um só: a repetição de uma catástrofe, que afetou a região cinco anos atrás.

A tragédia de 2011 marcou para sempre a vida dos milhares de moradores que vivem na região. Deixou dor para quem perdeu pessoas queridas, amigos, parentes. Desespero para a família dos desaparecidos que jamais foram encontrados. Prejuízo, pesadelo, tristeza. 

Isabel Pulquéria de Faria Alves, de 73 anos, morava em uma vila no Vale do Cuiabá há 28 anos. Dona Belinha, como é conhecida, trabalha como doméstica em uma casa que fica na Ministro Salgado Filho, mesmo local onde o marido Augustinho Alves, de 77 anos, trabalha há 50 anos como jardineiro. No dia 11 de janeiro, o casal saiu da residência dos patrões por volta das 23h. “Chovia muito, chegamos em casa, tomamos banho e deitamos para dormir. Às 2h, um vizinho ligou e disse que estava tudo tomado pela água. Se ele não avisa, íamos morrer dormindo”, disse.

Na hora, Belinha disse que não sabia bem o que fazer. Então, ela e o marido começaram a colocar os móveis para cima e, de repente, a água invadiu a casa. “Tivemos que sair pela janela, porque a porta não abria. Nesse momento fiquei nervosa, perdi as forças das pernas e fui arrastada pela correnteza, mas felizmente salva pelo marido da minha neta, que me segurou. Dali, fomos para uma casa mais alta, mas a água logo chegou até lá. Então nos dirigimos para uma mais alta ainda, mas estava perigoso, porque caíam barreiras por todos os lados, mas conseguimos ficar ali até amanhecer e a água abaixar”, relatou. 

Belinha e o marido perderam tudo, como documentos e o dinheiro que estava guardado em casa, além de cheques que eram para pagar as contas: “Só saímos com a roupa do corpo”. Quando amanheceu, ela contou que o cenário era de destruição, com galhos de árvores por todos os lados, carros arrastados. Quando foi até a casa onde morava, só encontrou lama, do chão ao teto. Não sobrou nada. Por muito tempo, ela evitou ir até o local. Depois da tragédia, disse que chorou cinco dias sem parar. Ela e o marido precisaram ir a consultas com psicólogos. “Eu achava que nunca ia sair de lá, mas não teve jeito”. Hoje, diz que está mais tranquila e consegue falar sem chorar. Mas, quando começa a chover, “não tem jeito, vêm todas as imagens na minha cabeça”. Além do trauma e das perdas materiais, Belinha também perdeu um casal de amigos, que eram vizinhos e até hoje estão desaparecidos. 

Pouco tempo depois do desastre, ela foi contemplada com uma das casas populares, no Condomínio Marília Cápua, no Vale do Cuiabá. Pelo menos 50 casas foram construídas em uma parceria do governo do Estado com a Prefeitura de Petrópolis e a iniciativa privada. 

Dono de uma das grandes propriedades do Vale do Cuiabá, o veranista André, que preferiu não informar o sobrenome, de 47 anos, contou que o prejuízo foi grande no local, onde existem três residências. No dia da tragédia estavam na casa o pai dele e o irmão com a esposa e a filha. As casas foram parcialmente atingidas, já o jardim ficou completamente destruído. Na manhã do dia seguinte foi preciso mandar um helicóptero para retirá-los da região. “Lembro que, na época, só quis ver poucas fotos, porque a destruição foi grande”. 

De lá para cá foi preciso fazer muitos investimentos na propriedade. Entre as intervenções, ele citou o afundamento do leito do rio, aumento das margens e a reconstrução das duas pontes. “Sem essa obra estrutural já teria alagado tudo de novo com todos esses dias de chuva”, afirmou. 

 

Relatório aponta causas da tragédia e critica falta de investimento em reflorestamento

 

Um relatório apresentado pelo engenheiro agrônomo Rolf Dieringer, realizado por uma comissão composta por Cleveland M. Jones, Henrique Ahrends, Luiz Amaral e Adacto Ottoni aponta as causas da tragédia de 2011. O documento destaca a degradação ambiental, provocada pelos desmatamentos e pelas constantes queimadas na cabeceira do Rio Cuiabá, Santo Antônio e Rio do Jacó, salientando que os deslizamentos e enchentes só ocorreram em áreas desmatadas e degradadas ou em áreas de risco natural, muito íngremes. 

O relatório critica o fato de as autoridades não terem investido na raiz do problema, que é a degradação ambiental. Afirma que optaram por obras de maquiagem, que não resolvem definitivamente o problema das enchentes, pois não enfocam a contenção de encostas e a retenção de precipitações concentradas, assim como o investimento na cobertura vegetal das encostas. 

Apresentado em 2013, o documento afirma que o grande deslizamento que aconteceu em 2011 foi causado pela cabeceira do morro, que foi desmatada. 

O relatório lembra ainda que em uma área desmatada, 90% das águas de chuva escorrem no primeiro momento para os rios, numa área com vegetação, a mata retém 90% dessa água. Para recuperar ambientalmente a região, a área a ser reflorestada é de 1500 ha, representando um plantio de cerca 25 milhões de árvores, com um custo aproximado de R$50.000.000 para obter uma solução eficaz e definitiva. 

Destaca, por fim, que o que foi gasto em obras já efetuadas na região (até 2013) era quase o dobro deste valor, e existiam apenas 230 árvores plantadas, ou seja, 0,0009% do replantio necessário. 

Fora do Vale do Cuiabá, o documento aponta que áreas como Posse e Brejal apresentam altíssimos níveis de desmatamento e, por isso, estão muito mais vulneráveis a problemas de enchentes e deslizamentos. 

 

Ações 

 

Entre 2013 e 2014, a prefeitura asfaltou um total de quatro quilômetros de vias no Vale do Cuiabá – dois na Estrada do Cantagalo e dois na Estrada do Cuiabá (Ministro Salgado Filho). As obras incluíram ainda drenagem em diferentes pontos da região e a conclusão das melhorias na Estrada do Cantagalo.

No fim de 2013, uma ação conjunta realizada pela Prefeitura, por meio da Secretaria de Meio Ambiente e da Comdep, e pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente (Inea) resultou em uma grande operação de limpeza no Rio Carvão, que corta o Vale do Cuiabá. Cerca de cinco quilômetros de rio receberam os cuidados do mutirão. Foram retirados 856 pneus do rio.

No fim de 2014, o prefeito Rubens Bomtempo encaminhou um ofício ao Inea cobrando a conclusão de intervenções no Vale do Cuiabá, relacionadas ao desastre das chuvas de janeiro de 2011. Muitas das obras e ações previstas para a área ainda não foram entregues à população. Das quatro pontes projetadas para o Rio Santo Antônio, duas sequer saíram do papel.

Outra cobrança é em relação ao pagamento das indenizações a todas as famílias que perderam suas casas. O prefeito cobra que o Inea informe qual é o planejamento para o pagamento às famílias que ainda não foram atendidas.

 

Minha Casa, Minha Vida

 

O município afirma que vem encontrando dificuldades junto ao governo federal para implantar projetos do programa Minha Casa, Minha Vida – faixa 1 em Petrópolis – voltado para as famílias que ganham até R$ 1.800 por mês. Apesar de a Prefeitura já ter investido quase R$ 7 milhões na desapropriação e na preparação de terrenos, o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica vêm atrasando as autorizações e liberações para obras, o que está comprometendo a construção de pelo menos 1.668 unidades populares para serem entregues a quem perdeu casa nas chuvas.

O caso mais emblemático é o de Vicenzo Rivetti. Lá, a construção de 760 unidades está parada há um ano, sem que a Caixa Econômica Federal substitua a empresa responsável, apesar dos vários ofícios encaminhados pelo município ao órgão. Bomtempo já esteve inclusive em Brasília para discutir a questão. 

Já para a construção de 720 unidades no Caititu e 188 na Estrada da Saudade, a Prefeitura investiu na desapropriação e infraestrutura dos terrenos, realizou o chamamento público e identificou a empresa vencedora do processo. No entanto, o Ministério das Cidades ainda não autorizou a Caixa Econômica Federal a assinar contrato com as empresas responsáveis pelas construções.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelo município junto ao governo federal em relação à faixa 1 do programa Minha Casa, Minha Vida, a Prefeitura vem trabalhando para viabilizar a faixa 2 do programa, garantindo incentivos fiscais para seis empreendimentos, totalizando 1.654 unidades habitacionais.

 

Comunidade do Quilombo da Tapera 

 

Foi retomada a construção das 13 casas no Quilombo da Tapera, no Vale da Boa Esperança, para as famílias descendentes de escravos da antiga Fazenda Santo Antônio, atingidas pela tragédia de janeiro de 2011. As obras ficaram prontas no fim de outubro de 2013, incluindo melhorias nas vias de acesso ao local e iluminação. Em novembro de 2013, a Prefeitura entregou as casas e também adequou o espaço com obras de infraestrutura e providenciou melhorias no acesso, drenagem, instalação da rede elétrica e de água. Outra ação realizada pelo município foi a implantação do transporte escolar e a entrega de kits contendo eletrodomésticos, móveis, colchões e panelas para a comunidade.




 

 

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